A relevância dos movimentos sociais: uma reflexão

4 de março de 2013 0 Por CONPOEMA

por Tiago Henrique

Nosso colaborador Tiago Henrique Cardoso enviou um texto esclarecedor sobre os movimentos sociais no Brasil e porque eles são necessários! 

Para que serve passeatas de
movimentos sociais? O que as marchas da maconha e das vadias têm em
comum? O ativismo racial defende igualdade de direitos ou privilégios
para a sua classe? Como o Estado deve trabalhar para estabelecer
oportunidades de ascensão econômica e integração social a todos?
Todas essas perguntas implicam a noção de democracia que, nos
tempos atuais, não mais se traduz pela etimologia “poder do povo”,
e sim pela ideia de igualdade de direitos, deveres e oportunidades
para todas as pessoas. Por isso, é comum encontrarmos em países com
regime político democrático, sua Constituição Legislativa sendo
regida pela premissa de que “Todas as pessoas são iguais perante a
lei”.

Inevitavelmente, a promoção da
igualdade é um grande desafio, principalmente num país como Brasil,
se considerarmos as diversidades sociais que há em todos os cantos.
As diversidades sociais são as variedades de contextos que abrangem
cultura, moradia, educação, saúde, lazer, condições econômicas,
religião, veículos de comunicação, trabalho, relações pessoais,
presentes em todas as sociedades, as quais uma nunca é igual à
outra. São essas singularidades que modulam, de maneira natural, a
situação de todos os cidadãos. Nesse processo, o Estado, enquanto
agente administrativo de muitas agências sociais, tais como escolas,
delegacias, e hospitais, proporciona a integração entre elas e o
cidadão. Num país democrático, todos possuem direitos iguais de
integração a essas agências sociais.
A relação entre o Estado e seu
povo e a relação entre os diversos grupos sociais elencam a
História, que é estruturada pelos vários modos de organização
política (como monarquias, impérios, repúblicas, etc.) e por suas
camadas sociais (clero, escravos, ricos, pobres, comerciantes,
nobres, etc.). Todos estes atores são flexíveis a mudanças gerais
ou específicas, graças a motivos internos ou geopolíticos. De
igual forma, a democracia é um fenômeno construído através dessas
mutações, do jeito que, à medida que o tempo passa, ela pode ou
não ganhar um sentido mais igualitário. O obstáculo mais
significante para equidade social entre os cidadãos é justamente a
intolerância humana quanto à diversidade do próximo, concebendo-o
como inferior ou como menos digno. Isso é explicável pelo fato de
que a base da História humana se constitui pela dominação de um
povo imperativo contra uma população subjugada, o que é vigente
desde o Escravismo da Antiguidade até o Capitalismo contemporâneo.
No Brasil não é diferente;
aliás, depois da Austrália, ele é o melhor exemplo de como uma
determinada população oprime outras, que é o caso dos portugueses
contra os negros e os índios nativos. Foi graças ao colonialismo
português que a população indígena diminuiu exorbitantemente,
pois se estima que sua contingência fora de cerca de 5 milhões de
índios no período da “descoberta”, sendo que hoje nos resta
apenas 896.917 de sua população, de acordo com o censo realizado em
2010 pelo IBGE. Isso sem contar a matança de negros escravos de lá
pra cá, realizada através do extenuante trabalho no eito, nos
castigos pela fuga, nas várias insurreições pela liberdade. Enfim,
só apenas depois de quase quatrocentos anos foi que a aristocracia
brasileira resolveu consolidar a abolição da escravatura, mais pela
pressão da demanda da Revolução Industrial do que por fins
filantrópicos. Apesar disso, as posições de cada camada social
continuaram as mesmas, ou seja, os herdeiros da aristocracia burguesa
continuaram sendo os ricos e beneficiados pelas agências do Estado,
enquanto os ex escravos e mestiços eram fadados a prover a
mão-de-obra rigidamente explorada. Enquanto isso, o desamparo do
Governo, o qual sempre se manteve tácito sobre miséria da população
desfavorecida, fez com que ela buscasse suas próprias maneiras de
adaptação, ensejadas, por exemplo, nas favelas, na garimpagem e no
tráfico de drogas. Longe dos serviços dispostos pelo Estado, a
população pobre teve que encontrar o “jeitinho brasileiro” para
defender a sua sobrevivência, seja através do êxodo rural, seja
pela conformidade da situação em que vive na cidade.
As mudanças mais significativas
a respeito destes problemas sociais começaram com o encadeamento de
revoluções em outros países, como México e Cuba, e posteriormente
França e Estados Unidos. Tanto as revoluções camponesas quanto as
revoluções raciais e estudantis contribuíram para o pensamento de
que apenas a revelia do povo contribuiria diretamente para a
construção de uma sociedade mais democrática. Foi graças à
revolta civil que o século XX foi marcado por muitas melhoras no
âmbito da igualdade de direitos, no que se pode contar pela
Revolução Feminista, pelo abandono da apartheid, pelo fim da
Ditadura Militar nos países latinos, entre outros.
No entanto, a desigualdade ainda
é uma constante nos tempos atuais, uma vez que não superamos a
grande assimetria de oportunidades e direitos que diferencia uma
classe e outra. A herança de um passado violento persiste, e se
evidencia na forma onde uns têm mais e outros têm cada vez menos
amparo do Estado. Os casos são incontáveis, por isso, vamos nos
ater apenas aos mais conhecidos: o Mapa da Violência 2012, apontou o
profundo contraste entre negros e brancos no que desrespeita à taxa
de homicídios. No período entre 2002 e 2010 a taxa de homicídios
entre os brancos caiu 24,8%, enquanto a dos negros cresceu 5,6%.
Obviamente, essa diferença é traduzida por uma mortalidade
seletiva, onde os serviços de segurança estão voltados
estritamente para a população que desde sempre foi atendida. Sob a
temática da desigualdade de gênero, o mais recente censo
demográfico (2010) mostra que o rendimento mensal dos homens com
Carteira Profissional assinada foi de R$ 1392, ao passo que o das
mulheres foi de cerca de 30% abaixo disso, o que indica um mercado de
trabalho ainda predominantemente machista. Dados do Conselho
Indigenista Missionário apontam que só no Mato Grosso do Sul, entre
2003 e 2010, foram assassinados 247 índios, de um total de 452
assassinatos em todo o país, por causa da disputa de terra contra os
latifundiários. Todos esses problemas, apesar de possuírem em comum
a desigualdade social — e, portanto, o flagelo dos dominados —,
incidem distintamente uns dos outros, já que são elencados por
interesses sociais específicos.
Por consequência, diferentes
reivindicações instituíram diversos grupos que se movimentam
contra a sua correspondente força antagonista. Aqui, podemos contar
inúmeros núcleos, como a Sociedade 13 de Maio versus o racismo, o
grupo LGBT contra a homofobia, o grupo Femen contra o machismo, a
campanha de solidariedade “Somos Todos Guarani-Kaiowá” versus o
problema da expansão latifundiária, a iniciativa Ocupar Wall Street
contra a precariedade econômica, e tantos outros. Embora suas
manifestações causem pouco impacto popular, em virtude da falta de
apoio tanto midiático quanto governamental, elas possuem muita
relevância para a população em geral, pois: a) identificam um
problema social, dando visibilidade à camada prejudicada e ao seu
respectivo agente ofensor, o qual, até então, era banalizado pelos
costumes; b) expõem os efeitos nocivos que infligem determinado
contexto social; e c) exigem medidas concretas do Estado e da
população com o fim de coibir essas injustiças.
Em contraposição, uma ideologia
conservadora argumenta que esses movimentos sociais só afirmam a
disparidade e o preconceito, uma vez que buscam privilégios e o
destaque de apenas uma parcela da sociedade, esquecendo-se das
outras. Ao invés de exigências de natureza particular, a ideologia
conservadora propõe iniciativas de efeitos genéricos, pelas quais
se planifica todas as camadas sociais na condição de “cidadão
modelo” isolado de seu contexto sociohistórico. Para ela, se os
grupos antirracismo, antissexismo, antihomofobia e proíndio lutassem
por melhorias comuns a todos os indivíduos, seu avanço democrático
seria mais efetivo. Por isso, ela contesta o Dia da Consciência
Negra (sendo que não existe o Dia da Consciência Branca), o Dia do
Orgulho Gay (pois não há o Dia do Orgulho Heterossexual), as vagas
afirmativas nas universidades federais (o que, para ela, reforça a
discriminação étnica), a luta indígena contra a expansão
latifundiária (já que os índios podem trabalhar para conquistar
sua terra de maneira legalizada), etc. Geralmente, essas posições
são defendidas por sujeitos não atingidos pelos problemas aqui
tratados, exercendo, assim, o papel de expectadores distanciados, ou
de simples contempladores. Em suma, predomina lhes a equivocada tese
de que são as ideias que regulam a ação social, ou que a
democracia é o resultado de um processo passivo, onde as ideias
igualitárias eclodem na vontade coletiva.
No entanto, como já foi visto, é
a constante comunicação entre os grupos sociais e o Estado que
origina novas condições na vivência humana, e isso só é possível
por meio de uma ação concreta que tenha força e coerência o
suficiente para romper com o paradigma antidemocrático. Não é atoa
que os núcleos de reinvindicação pleiteiam, em comum, medidas que
reformem o universo legislativo e moral, já que estes surtem enorme
influência sobre a opinião pública e, por consequência, sobre as
agências sociais. Ainda que seja uma luta difícil, qualquer
passeata ou parada já logra por causar visibilidade da posição que
defende e nos fazem cogitar o contrário do que é normalmente
estabelecido. Dessa forma, quando temos conhecimento de sua
existência, é uma oportunidade para (re)pensar num Brasil
diferente, com a legalização da maconha, com a descriminalização
do aborto, com a oficialização do casamento gay, com mais
concessões de terras indígenas, com a abolição do racismo
institucionalizado, e com tantas outras ações que podem mudar a
cara da nossa sociedade. É claro que a história não acaba por aí,
pois antes de inerte, a democracia é um processo dinâmico e
infindo.