Prelúdio: São Paulo não é a avenida Paulista. São Paulo é a resistência na periferia
3 de fevereiro de 2015Por Eduardo Sakamoto
Logo após a fundação da vila de São Paulo de Piratininga, José de Anchieta, com a ajuda de índios catequizados, ergueu um muro de taipa e estacas para ajudar a mantê-la “segura de todo o embate”, como descreveu o próprio jesuíta.
Os indesejados eram índios carijós e tupis, entre outros, que não haviam se convertido à fé cristã e, por diversas vezes, tentaram tomar o arraial, como na fracassada invasão de 10 de julho de 1562. Grande dia aquele.
Ao longo dos anos, a vila se expandiu para além da cerca de barro, que caiu de velha. Vieram os bandeirantes (cada povo tem os heróis que merece) que caçaram, mataram e escravizaram milhares de índios sertão adentro, mas também ampliaram o território brasileiro em sua busca por riquezas.
Da África foram trazidos negros, que tiveram de suportar árduos trabalhos nas fazendas do interior ou o açoite de comerciantes e artesãos na capital. No início do século 19, a cidade tornou-se reduto de estudantes de direito, que fizeram poemas sobre a morte e discursos pela liberdade.
Depois cheirou a café torrado e a fumaça de chaminé, odores misturados ao suor de imigrantes, camponeses e operários, em levas que não pararam até hoje, apenas mudaram de sotaque.
Apesar da frenética transformação do pequeno burgo quinhentista em uma das maiores e mais populosas metrópoles do mundo, centro financeiro e comercial da América do Sul, o muro ainda existe, agora invisível. Só quem não quer enxergar vê na capital paulista uma terra em que todos têm direitos e oportunidades iguais.
Apesar da frenética transformação do pequeno burgo quinhentista em uma das maiores e mais populosas metrópoles do mundo, centro financeiro e comercial da América do Sul, o muro ainda existe, agora invisível. Só quem não quer enxergar vê na capital paulista uma terra em que todos têm direitos e oportunidades iguais.
Se houve melhora na maneira como a cidade trata os mais humildes, isso se deve à sua mobilização, pressão e luta e não a bondades de supostos iluminados ou da esmola das classes mais abastadas. Até porque nossos “grandes líderes” naufragam em tempos de chuva ou desidratam em tempos de seca.
Portanto, os símbolos de São Paulo não deveriam ser os ásperos espigões da avenida Paulista, o verde do Ibirapuera, os aromas do Mercado Municipal, os sabores dos bons restaurantes e os sons da Sala São Paulo.
São Paulo é um rapaz que nasce, negro e pobre, no extremo da periferia e, apesar de todas as probabilidades contrárias, chega à fase adulta. É um vendedor ambulante que sai de casa às 4h30 todos os dias e só volta tarde da noite, mas ainda arranja tempo para ser pai e mãe. É a jovem que, mesmo assediada no supermercado onde trabalha, não tem medo de organizar os colegas por melhores condições. É a travesti que segue de cabeça erguida na rua, sendo alvo do preconceito de “homens e mulheres de bem”, sabendo que não consegue emprego simplesmente por ser quem é.
São Paulo é resistência. Não aquela cantada em prosas e versos, da resistência dos ricos e poderosos, que com seus grandes nomes deixaram grandes feitos que podem ser lidos em grandes livros ou vistos na TV. Mas a resistência solitária e silenciosa de milhões de anônimos que não possuem cidadania plena, mas tocam a vida mesmo assim.
Se uma cidade é a soma das histórias de sua gente, então São Paulo vale a pena.
Feliz aniversário, São Paulo.