Quem dera cantar-te, Cantareira

Quem dera cantar-te, Cantareira

24 de abril de 2014 0 Por CONPOEMA
O
Cantareira, no dia de hoje; vinte e quatro de abril de dois mil e
quatorze, registrou seu novo recorde de 11,6% de sua capacidade de
operação, ou seja: a pior marca de sua história.

O Sistema
Cantareira é
o maior dos sistemas administrados pela Sabesp,
e abastece a cerca de nove milhões de pessoas, quase metade da
população da Região
Metropolitana de São Paulo
,
nas zonas Norte, Central, partes das Zonas Leste e Oeste da capital,
os municípios de Franco
da Rocha
,
Francisco
Morato
,
Caieiras,
Osasco,
Carapicuíba
e
São
Caetano do Sul
,
parte dos municípios de Guarulhos,
Barueri,Taboão
da Serra
e
Santo André.

Foi por
volta de mil
novecentos e sessenta,
o governo
paulista,
preocupado com o alto crescimento demográfico
da
cidade
e
dos municípios vizinhos, cuja população já beirava os cinco
milhões de habitantes, decidiu reforçar o abastecimento de água da
Região Metropolitana de São Paulo,
planejando
a construção de diversas represas nas nascentes da bacia
hidrográfica do Rio
Piracicaba
,
neste contexto, nasceu o Sistema Cantareira. Sua construção
iniciou-se em mil novecentos e sessenta e seis, com as barragens do Rio Juqueri (hoje, Paiva
Castro), Cachoeira e Atibainha, mas só começou a operar em mil novecentos e setenta e quatro.

Segundo
o boletim mensal de monitoramento dos reservatórios produzido pela
Agência Nacional das Águas (ANA), as represas do Cantareira têm
vivido uma sequência de queda no volume útil desde meados de abril
de dois mil e treze. A situação se revelava crítica já em
dezembro, dois meses após o início da estação chuvosa, quando o
volume do sistema caiu abaixo dos 30%. Apesar dos indicadores
negativos, São Paulo atravessou a estação sem nenhum indicativo de
que a Sabesp adotaria algum plano.


A
situação tem preocupado a comunidade científica a nível
internacional e muitos debates em mesa redonda em busca do mapeamento
de riscos e soluções emergenciais estão sendo realizados por todo
o país, como no último dia oito de abril na Faculdade de Saúde
Pública da USP, o evento contou com a presença de Maria Assunção
Silva Dias, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências
Atmosféricas (IAG) da USP, Carlos Corvalán, especialista em
avaliação de riscos e mudança climática da Organização
Pan-Americana da Saúde (Opas), entre outros especialistas. O tema
abordado foi: “As incertezas das mudanças climáticas e a saúde
pública”. O evento contou com o apoio do Interdisciplinary Climate
Investigation Center (Incline) e do Laboratório de Mudanças
Climáticas do Departamento de Saúde Ambiental da FSP.


Sabe-se
que caso o regime de chuvas volte à normalidade, ainda serão
necessários pelo menos dois anos para o Sistema Cantareira recuperar
sua vazão. Além da displicência do governo, também são fatores
agravantes desta problemática as mudanças climáticas. Explicou Maria Assunção Dias, professora do IAG:
“É difícil entender de que forma a mudança do clima em nível
global é responsável por um problema local. O formato das chuvas –
uma chuva que cai o dia inteiro durante vários dias ou uma
precipitação isolada, por exemplo – influencia no volume dos
reservatórios, paralelamente a um evento isolado como a seca deste
verão. É a isso que se referem os chamados “fatores de confusão”.
A crise no Sistema Cantareira é efeito da mudança climática? É
grande a probabilidade de ser, apesar dos fatores de confusão. O que
pode se concluir é que existe uma necessidade de adaptação efetiva
à mudança climática, Também são considerados fatores de
confusão nas pesquisas situações em que se verifica aumento da
vulnerabilidade de uma população, como o adensamento de moradia em
locais onde as pessoas estão mais expostas a riscos ambientais, e a
ação direta do homem na paisagem por meio de alterações no uso da
terra, urbanização e poluição. Ao mesmo tempo, índices
climáticos globais, como a temperatura da água do mar, podem afetar
profundamente os climas locais. Outro problema é separar a mudança
no clima do planeta devido à ação antrópica da variabilidade
climática natural”
.


O
que a comunidade científica sugere é a readaptação da sociedade
ao uso da água, e ainda tem previsões nada positivas, veja o trecho
extraído do Jornal da USP :


Uma
coisa, no entanto, é clara: a vulnerabilidade de uma população a
desastres naturais e a doenças associadas à variabilidade
climática, como dengue, malária e febre amarela, aumenta quanto
mais grave for sua situação de pobreza. Segundo Corvalán, da Opas,
uma das grandes preocupações no setor de saúde é a possibilidade
de fracasso na adaptação de governos e sociedades às mudanças
climáticas. No jargão ambientalista, a adaptação é uma
estratégia um pouco diferente da mitigação. Os processos de
adaptação agem sobre os impactos e vulnerabilidades decorrentes da
mudança climática, seja no âmbito dos ecossistemas, dos recursos
hídricos, da segurança alimentar ou dos assentamentos – todos
sistemas que afetam diretamente a saúde humana e a qualidade de vida
das pessoas, especialmente das mais humildes. A mitigação, por sua
vez, age sobre as causas da mudança do clima.

“A
mudança climática potencializa o impacto de todos os outros
problemas ambientais, como desertificação, escassez de água e
perda de biodiversidade”, afirma Corvalán, que também ressalta
que a questão da má urbanização é um tema de muita importância
no Brasil, onde as grandes cidades coincidem com as áreas de alto
risco ambiental.

Enquanto
o setor de saúde, organizado em entidades supranacionais, se
mobiliza para propor resoluções, estratégias e planos de ação ao
setor público, o papel da comunidade científica nesse processo de
adaptação deve ser o de oferecer informação qualificada para
assessorar os governantes e levar alertas importantes à sociedade.
(Jornal
da Usp – Clima; O Desafio da Adaptação; por Silvana Salles;de 14
a 20 de abril de 2014, pg. 7)


Segundo
o próprio Governo do Estado desde o início da operação do
Cantareira, mil novecentos e setenta e quatro, já era de
conhecimento público que este sistema teria a capacidade de
abastecer por tempo limitado a esta população, e que em sua
inauguração o slogan era: “Água até o ano 2000!”. Ora! Por
que, então, não houve nenhum planejamento, nenhum projeto, nenhuma
ação em favor da população abastecida pelos reservatórios da
Cantareira? O
sistema, que abastece quase nove milhões de habitantes da metrópole,
chegou ao nível mais crítico de sua história, com menos de 11,6%
de sua capacidade. Para completar, o Sistema Alto Tietê está
operando com menos de 35%. Estranhamente, mídia e governo sequer
encararam seriamente possíveis cenários de racionamento, não só
de água, mas também de energia. Ao contrário, tem-se a notícia da
construção de mais adutoras, que trarão água de locais mais
distantes, o que geraria grandes estresses hídricos, além do que,
trazer mais água significa jogar mais efluentes nos rios, já que o
aumento no volume de água captada nem sempre acompanha uma ação
planejada para melhorar o tratamento de esgoto, a situação acaba
comprometendo ainda mais os corpos hídricos e piorando a escassez
nos grandes aglomerados urbanos. Especialistas concordam que mais que
uma solução acertada, torna-se necessário a reutilização dos
recursos hídricos e a capitação da chuva.

Dia
vinte e um deste mês, o governador Geraldo Alckmin, cujo o partido
comanda o Executivo paulista há duas décadas e é inapelavelmente
responsável pela falta de investimentos no sistema de abastecimento
de água, anunciou numa visita a Franca duas novas medidas para lidar
com a seca que causou a redução do nível do volume útil das
represas. A primeira: a interligação do sistema com um braço da
represa Billings, no ABC Paulista, mas até agora não se sabe quanto
isso custará e quanto tempo será necessário para essa
interligação. A segunda ainda não compreende nenhum racionamento,
mas sim apela ao ponto fraco da maioria de nossos conterrâneos, é o
início de cobrança de multa de 30% sobre a conta para quem aumentar
o consumo a partir de maio.

O
que nos acomete é de gravidade extrema, e somos inexperientes nesta
desgraça pois nunca a vivemos. Enquanto aqueles que governam nosso
progresso apelam para o bolço, viemos por meio desta apelar para o
bom senso. Economizar água é de extrema necessidade para a vida.