Educação e Macumba
18 de janeiro de 2008Educação e Macumba
Saravá Professores!
Há três anos atrás comecei a conhecer com um pouco mais de profundidade as inefáveis manifestações artísticas da cultura popular brasileira. Caí como um retirante sedento ao encontrar uma nascente. Não querendo beber sozinho, tratei logo de convidar alguns amigos, para que juntos provássemos desta água transformadora e procurássemos quem sabe, outras nascentes.
Parece que havia descoberto a vida e estas danças, cantos, chapéus bordados – que antes eu achava fazer parte de um arsenal velho e feio chamado folclore – agora me puxavam com força avassaladora dissolvendo aos poucos os blocos de um lugar chamado escola. Irritava-me ao descobrir os equívocos daqueles professores que não se envolviam nas cirandas, não vinham brincar nas rodas de jongo e nem com os mais diversos convites deslocavam suas bundas das cadeiras para descobrirem um pouco mais sobre o Brasil, um pouco sobre a infância cada vez mais perdida, revelada e revigorada nestes brinquedos populares.
Muitas vezes até me entristeci ao saber de comentários do tipo “… olha lá, esse povo gastando dinheiro do FUNDEF com saravá…”. Mas hoje, iluminado por uma oficina repleta de sons de tambores, cortejo, cantos de Congada, revi totalmente estas minha lamúrias e passei a dar toda razão para estes sábios que nos intitulavam professores macumbeiros.Sim, credito a estes toda razão e pasmo fico ao ver que não me dei conta antes! Defendo a partir de agora que a função do professor é muito mais próxima de um pai de santo, que de um papa.
Que uma aula deve ser mais irmã da magia, do mistério, da união presente em um ritual de umbanda, que de uma missa serena ou de um culto histérico onde Deus, rejeitando o título de onipresente, certamente não comparece, de outra forma perderia boa parte de sua audição. Para mim, a alegria deste encontro chamado educação está muito mais perto destes rituais muito humanos, destes cortejos liderados por velhos sábios que não estão nos azilos tristes, destas realizações que merecem todo o respeito enquanto manifestação artística e acontecimento social, que destes eventos para arrebanhar pessoas cada vez mais sentadas, discípulas funcionais, conformadas com este mundo desgraçado, esperando o céu “godoístico”. Que céu!? Dou as mãos a Nietzsche e como ele não acredito num deus que não saiba dançar, prepotentemente acrescento ao seu pensamento o meu: Não acredito num deus e num professor que não saibam dançar (especialmente cirandas).
Melhor se puder colorir seus cantos com as batidas na Caixa do Divino. E ainda melhor se fizer deste permanente recriar dos brinquedos sua prática, envolvendo neles vontades dos alunos, valorizando inteligência e criatividade, trocando palavras da música tradicional – um eterno movimento de recriar.Faço então deste texto um agradecimento àqueles que nos conferem funções de macumbeiros. Não macumba entendida porcamente e conforme convém para a lógica cristã-mercadoló gica, mas macumba genuinamente como trabalho.
Trabalho deste educadores que não confortáveis com esta hipócrita sociedade, que pouco tenta remediar sua fome. Trabalho para transformar esta educação coxa que assassina as crianças não valorizando seu corpo, seu amor, suas infinitas capacidades de ser humano e os definham em cadeiras, super-valorizam suas mentes e excomungam seus corpos, certamente estas cadeiras fazem prólogo para as de roda. Saravá Professores!
E fundemos a partir de agora uma nova Pedagogia, escrita e pensada por muitos durante as Reuniões Pedagógicas de Trabalho Coletivo (HTPCs). Escrevamos uma Pedagogia genuinamente moratense: A Pedagogia da Macumba.
Eduardo Henrique Bartolomeu
Ator e Professor da Rede Municipal de Francisco Morato – São Paulo
Maravilhoso. Sou mestre de Moçambique e concordo plenamente!
Silvio Antonio de Oliveira