Luz Ribeiro – Da Roça pra Paris, do Jardim Souza pro Mundo

Luz Ribeiro – Da Roça pra Paris, do Jardim Souza pro Mundo

20 de dezembro de 2016 1 Por Fabia Pierangeli

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No último final de semana, de 15 a 18 de dezembro, aconteceu o Slam BR 2016, campeonato brasileiro de poesia falada, para o qual enviamos uma representante, a querida e talentosíssima poeta Luz Ribeiro, capioa do ano do nosso Slam da Roça. Nosso parceiro Beto Bellinati esteve lá, acompanhando a disputa e torcendo pela nossa capioa. Abaixo você pode conferir a cobertura da final do Slam BR, pelo olhar e pelas palavras do Beto. 🙂

Luz Ribeiro

Da Roça pra Paris – Do Jardim Souza pro Mundo

img-20161220-wa0024O dia dezoito de dezembro de 2016 entrou para a história da poesia brasileira. Entrou porque queremos que entre. Porque somos história. Porque, agora, nós somos os narradores. As narradoras. Xs narradorxs. Não precisamos mais obedecer gramática. Falamos, existimos.

O local era central – Itaú Cultural, Avenida Paulista, São Paulo. Mas os lugares não contam histórias sozinhos; precisam de nós. E lá estavam, pessoas não centrais. Marginais. Pessoas Pretas. Gordas. Pobres. Indígenas. Surdas. Mulheres. Lésbicas. Viados. E lá estávamos, no centro financeiro da maior cidade do hemisfério SUL da porra do Mundo. Ocupando um espaço outro; irrigando um chão seco, trazendo a fertilidade que há anos produz as periferias. Lágrimas e histórias de sangue.

Lá estávamos. Pessoas dispostas a ouvir. E lá estavam as sete poetas finalistas do SLAM-BR 2016: Felipe Marinho (SP), Fabiana Lima (BA), Deusa Poetisa (SP), Cauê e Catharine (SP), Luz Ribeiro (SP) e Xamã (RJ). Poetas da palavra falada. Dos gestos que dizem. Dos sons e silêncios. Dos sussurros e gritos.

Plateia lotada; mais de cem pessoas tiveram que voltar para casa, outras tantas assistiram a transmissão via internet. E lá dentro, na sala principal, quase trezentas pessoas puderam acompanhar momentos de pura entrega, de verdade escancarada, de histórias violentas que se cruzam e constroem Brasils. Brasis. Em comum, na boca e no peito e nas mãos das poetas, a revanche, a dor, o ódio, a mágoa, a resistência, e o que for (palavras escritas por mim, agora, não dão conta de descrever), resultado de anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos e anos de injustiça.

Em forma de Poesia. Poesia, sim. Com cuspe, palavrão, palavraços, balaços, vulgaridades. Poesia, sim. Com lágrimas, rimas, métricas, cantos, gestos, encontros. Poesia, sim. A de cada pessoa. Poesias. Quem define limites? Querem-nos doces e amáveis? Querem mesóclises? Querem sonetos?

Não temos. Não pedimos perdão. Somos Poesias resultadas da opressão. Somos cria e criação. Estamos aprendendo.

Felipe Marinho trouxe a Zona Leste de São Paulo, a negritude e a juventude que vem por aí. Na última rodada, ainda surpreendeu com uma poesia curta e certeira, sobra bocas que se precisam.

Fabiana Lima chegou pesada, no grito e no dedo na cara, trazendo a Bahia de todos os santos e orixás. A mulher preta, o extermínio do povo preto e a ancestralidade africana.

A terceira poeta foi a Deusa, voz de trovão, denunciando o golpe que veio a galope, invocando a memória das mulatas estupradas, reivindicando seu lugar.

Catharine e Cauê, uma dupla de Poetas do Corpo; ela, surda; ele, ouvinte. Um dos momentos mais mágicos da noite. A plateia, repleta de surdos, agitava as mãos, euforicamente. Falaram sobre empatia, inclusão e perguntaram: Onde está a deficiência?

Luz Ribeiro também chegou com o peso da periferia: seus Meninos milímetros, invisíveis, esquecidos por Deus, mas que, após anos de silenciamento, agora!, fazem muito barulho.

Xamã veio do Rio de Janeiro e demonstrou a coragem de um sujeito que bate no peito e defende seu povo guerreiro e olha nos olhos dos parceiros e desliga a porra do celular e sobretudo ama sua mãe.

Após três rodadas e muitas emoções, Fabiana Lima e Luz Ribeiro empataram com 89,8 pontos, de 90 possíveis! Assim, seria necessário um desempate. Nesse momento, antes mesmo do fim, alguém gritou na plateia a constatação inevitável: “VAI TER MULHER PRETA NA FRANÇA!” E o coro seguiu e aplaudiu!

Na primeira rodada, Fabiana Lima foi sorteada por um conterrâneo e reiniciou a disputa. Visceral e raivosa, levou a nota máxima dos jurados. Juradas. Jurades. 30! Luz Ribeiro subiu ao palco pressionada, mandou seu clássico poema PUTA e… também recebeu nota máxima! Seria necessário mais um desempate. Nesse momento, Fabiana estava muito emocionada, chorava bastante. Luz recomeçou a batalha e com um poema-carta-desabafo levou, mais uma vez, 30! Fabiana conseguiu controlar os nervos, adentrou o espaço e, mais uma vez, reclamou poder para o povo preto!

Quem ganhou foi a Poesia.

Por diferença de décimos, Luz Ribeiro ficou à frente de sua companheira e foi declarada campeã do SLAM-BR 2016. A comoção foi geral, de todos os lados. Duas mulheres pretas, periféricas, disputaram o desempate! Luz mereceu. Foi completa, foi vibrante, foi sutil, foi errante, foi sincera, foi brilhante. Gritou suas vitórias, sua coragem, sua luta. Assumiu seus erros, seus medos, seu cansaço. Já vi várias vezes essa mina falar seus poemas. Inclusive, já falei algumas dessas poesias a seu lado. E não tenho na minha memória uma atuação tão impecável como a dessa noite. Beirou a perfeição. E recebeu o direito de representar o Brasil na Copa do Mundo de SLAM, em Paris, França, no mês de maio de 2017.

Assim, a primeira Capioa do SLAM da ROÇA, o caçula dos slams paulistas participantes do evento, é Campeã Brasileira de Poesia. Da Roça pra Paris. Mas não pára por aí. A cidade-luz não comporta nossa Luz. Essa mulher vem do Jardim Souza pro Mundo. Ninguém segura. Ainda bem. Nesses dias ásperos, ouvir Luz Ribeiro é um presente. É um passado. É um futuro.