Mulheres em luta: Franco da Rocha presente
2 de março de 2016A uma semana do Dia Internacional da Mulher (8 de março), Franco da Rocha teve a oportunidade de vivenciar a data de um jeito diferente do habitual. Em vez de rosas, bombons ou faixas de vereadores parabenizando a “rainha do lar”, filmes e debates. No último fim de semana (26 a 28/2), a cidade recebeu a 1ª Mostra de Cinema da Mulher, organizada pelo coletivo Baciada das Mulheres do Juquery e co-realizada em parceria com a Prefeitura Municipal de Franco da Rocha.
Na sexta-feira, a mostra foi aberta com dois documentários curta-metragem: No Devagar Depressa dos Tempos, de Eliza Capai (2015, 25 minutos), e Virou o Jogo: A História de Pintadas, de Marcelo Villanova (2012, 26 min.). Em comum, os filmes retratam processos de empoderamento e autonomia de mulheres de cidades do interior nordestino por meio de acesso à renda, no caso do primeiro, ou pelo futebol, no segundo.
Exibidos na rua, em um telão improvisado em frente à Casa de Cultura, os documentários foram seguidos de falas de convidadas – Jéssica Moreira, do coletivo Nós, Mulheres da Periferia, Patrícia Donato e Rosângela Barros, professoras da rede pública de ensino. Elas relacionaram a realidade dos filmes com a de muitas mulheres da região, vindas do Nordeste, e destacaram as particularidades da luta das mulheres na periferia. Rosângela ressaltou ainda um ponto crucial: a importância de se abrir a discussão sobre o feminismo à participação de todos, como acontecia ali.
Depois, o debate foi aberto para as mulheres presentes. Houve poucas manifestações, mas algumas foram bastante intensas. Fechando a noite, um show do grupo de rap feminino Odisseia das Flores.
No sábado, foi exibido o drama Preciosa – Uma História de Esperança (2009, 109 min.), que conta a história de uma adolescente negra, pobre e obesa que sofre uma série de abusos dentro de casa. Grávida pela segunda vez, ambas em decorrência de estupros que sofreu do próprio pai, Preciosa é enviada para uma escola alternativa, onde encontra outras meninas com histórias difíceis como a sua e, principalmente, uma professora que a incentiva (spoiler: ela não sabia ler!) e abre caminho para profundas mudanças em sua vida.
Com um filme desses, que levanta tantas questões fortes, o debate só poderia dar no que deu: muitas reflexões e depoimentos pessoais sobre abuso sexual, racismo, maternidade, gordofobia… Foi um processo riquíssimo, no qual mulheres (que novamente foram priorizadas no direito a fala) com diferentes origens e experiências puderam se expressar. Foi difícil encerrar o debate, que se estendeu até quase meia-noite.
No domingo, a mostra foi encerrada com o filme romeno 4 meses, 3 semanas e 2 dias (2007, 113 min.), vencedor da Palma de Ouro do festival de Cannes de 2007. O longa fala das dificuldades enfrentadas por uma jovem que precisa de um aborto na Romênia comunista nos fim dos anos 1980. Infelizmente, não pude ir ao último dia da Mostra e perdi o filme e o debate que ocorreu a seguir, conduzido pela pesquisadora e roteirista Iana Cassoy.
Discutir o aborto é sempre difícil, mas muito necessário: cercado de tabus, o tema é ao mesmo tempo muito presente na realidade das brasileiras (uma em cada cinco já fez, segundo pesquisas), quase sempre envolvendo grandes riscos – isso, claro, para a maioria pobre que não pode pagar por um procedimento seguro.
Com a escolha de cada filme, me parece que a Mostra foi aumentando a intensidade da discussão sobre a condição feminina no Brasil hoje, principalmente nas periferias, sempre atingidas por mais restrições e violações de direitos. Foi um critério muito feliz, pois havia nas exibições (nas duas que pude acompanhar) mulheres de diferentes perfis e graus de proximidade com questões de gênero.
O grande mérito da mostra foi ter tido a ousadia de trazer a mulher para o centro das discussões durante três dias na cidade e possibilitar que, para muitas pessoas, o dia 8 de março passe a ser encarado de um jeito diferente. Parabéns ao coletivo Baciada! Vida longa à Mostra e à luta das mulheres em Franco da Rocha!
Mônica Ramos é francorrochense e Jornalista, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.