Avalovara, pos Osman Lins
20 de junho de 2011
Cecília entre os Leões
“Tudo percebo _ a encomendação do corpo, o trabalho dos coveiros, o pó nas lápides, as lamúrias discretas das mulheres _ e alheio a tudo, dentro de uma claridade que me ilumina por dentro e assemelha-se a um globo de espelhos em pedaços, com milhares de réstias que se cruzam, contemplo Cecília ao sol do meio-dia. Com os olhos (neles zumbem negros e rápidos leões), parece dizer-me: “Tenho a minha vida nas mãos, Abel. Recebe-a. Mas ouve: o amor, artefato de difícil manejo, é cheio de botões secretos e de facas que à mínima imperícia ou distração saltam voando e lanham a carne”. Engano-me, eu, se nessa companheira reconheço a minha substância? Ela emerge de mim e da minha vigília tão semelhante a um sono prolongado _ ela e os seus entes, uns nus, outros vestidos, uns sem armas, outros armados. Contemplo no seu corpo, assim parece-me agora, a minha e a sua memória, simultaneamente . As presenças humanas nessas memórias. Como se eu pudesse ver, ouvir, tocar as visões nem sempre nítidas, mas cheias de verdade e nunca fixadas em uma única idade de suas vidas, as visões ou espectros que habitam a memória e têm, junto com os brinquedos outrora possuídos e os lugares onde se viveu, o duvidoso nome de recordações. “Cecília, o equilíbrio é pouco seguro e ilusório, bem sei, quando o homem está nele incluído. Mesmo no Éden, esse estado perdura muito menos do que se pode esperar. Quantos passos daremos juntos?” Este minuto: espinhal desmesurado, esférico, a arder em torno de mim, como num fogo de diamantes.”