Depoimento | Gilberto Araujo
27 de janeiro de 2012Gilberto Araujo
Ensaio | 30 de janeiro de 2012A Onça dos raios do solHá muito tempo quando o sol ainda acordava sem pressa e seus primeiros raios eram laçados pelo ponto mais alto do pico, uma sombra fria se projetava numa pequena clareira no pé da montanha, formando um curioso desenho de uma onça deitada no chão.
Aquele lugar tornou-se um ponto de partida e chegada de todo dia dos bravos homens daquela tribo, que só saiam para caçar quando a onça se deitava. Ao voltarem, agradeciam aos deuses que os protegiam e garantiam o alimento, o sol, a montanha, e a onça, com uma dança e um canto que, às vezes, pareciam rugidos que não eram vistos e ouvidos por ninguém.
Os mais velhos diziam que aquela onça deitada era a alma de um guerreiro que se deixou ser devorado por uma grande onça, para proteger seus irmãos. A partir de então, ele descia todos os dias pelos raios do sol para avisar os guerreiros caçadores da tribo se naquele dia eles tinham permissão para caçar.
Muitos amanheceres se passaram. O sol ainda brincava com o pico, ainda acordava sem susto e o canto não tinha sido interrompido na hora dança sagrada. O segredo permanecia oculto. A alma do guerreiro não falhava em sua proteção.
Até que as aparições da onça começaram a rarear. A caça ficou escassa e a fome atingiu a todos. Sem a permissão, não podiam fazer nada, além de aguardar. Toda a tribo dançava e cantava todos os dias em volta do leito da onça, clamando a volta de seu parente guerreiro e protetor.
O velho pajé entendeu que ele não voltaria mais e silenciou. Aos poucos, o canto entoado com tamanha força que fazia tremer o chão, foi enfraquecendo até se ouvir apenas o vento balançando as árvores.
E não se sabe como, nem precisamente quando, este povo deixou de existir, sem deixar vestígios de sua estadia naquele lugar.
Outros amanheceres vieram e tempos depois, outra civilização cravou naquelas terras uma cidade com suas maravilhas tecnológicas; se expandiu tanto que a mata foi atravessada por estradas de cimento, subindo morro acima, até fincarem hastes de ferro e bandeiras no topo do pico. Estava demarcado mais um ponto turístico.
Pouco se sabe o porquê daquela tribo, se instalar naquele pedaço de terra ao pé da montanha que ficou ilhado, escondido da grande civilização, entre as duas estradas. Mas lá estavam eles e, de alguma forma muitos deles sentiam algo diferente quando olhavam para o alto do pico, sobretudo o cacique/pajé. Ele sentia vontade de cantar e dançar, mas não sabia exatamente o quê nem para quê… E passou a sonhar com onças e isso durou anos.
Há alguns dias, estive na aldeia pela manhã, o cacique/pajé apareceu, sorrindo, tomado de uma paz profunda, cumprimentou a todos. Sentou a meu lado e me disse depois de um tempo: “Você já reparou como o sol bate na montanha e a sombra que faz aqui em baixo?”
Eu, sem muito entender, respondi o obvio. Ele sorriu novamente, fixou seu olhar na montanha e começou a contar esta história. Por fim, disse que o dia ainda ficaria mais quente. Não tive coragem de perguntar se ele viu o desenho da onça novamente refletido na clareira, qual seria o seu significado para esta tribo?
Aquele lugar tornou-se um ponto de partida e chegada de todo dia dos bravos homens daquela tribo, que só saiam para caçar quando a onça se deitava. Ao voltarem, agradeciam aos deuses que os protegiam e garantiam o alimento, o sol, a montanha, e a onça, com uma dança e um canto que, às vezes, pareciam rugidos que não eram vistos e ouvidos por ninguém.
Os mais velhos diziam que aquela onça deitada era a alma de um guerreiro que se deixou ser devorado por uma grande onça, para proteger seus irmãos. A partir de então, ele descia todos os dias pelos raios do sol para avisar os guerreiros caçadores da tribo se naquele dia eles tinham permissão para caçar.
Muitos amanheceres se passaram. O sol ainda brincava com o pico, ainda acordava sem susto e o canto não tinha sido interrompido na hora dança sagrada. O segredo permanecia oculto. A alma do guerreiro não falhava em sua proteção.
Até que as aparições da onça começaram a rarear. A caça ficou escassa e a fome atingiu a todos. Sem a permissão, não podiam fazer nada, além de aguardar. Toda a tribo dançava e cantava todos os dias em volta do leito da onça, clamando a volta de seu parente guerreiro e protetor.
O velho pajé entendeu que ele não voltaria mais e silenciou. Aos poucos, o canto entoado com tamanha força que fazia tremer o chão, foi enfraquecendo até se ouvir apenas o vento balançando as árvores.
E não se sabe como, nem precisamente quando, este povo deixou de existir, sem deixar vestígios de sua estadia naquele lugar.
Outros amanheceres vieram e tempos depois, outra civilização cravou naquelas terras uma cidade com suas maravilhas tecnológicas; se expandiu tanto que a mata foi atravessada por estradas de cimento, subindo morro acima, até fincarem hastes de ferro e bandeiras no topo do pico. Estava demarcado mais um ponto turístico.
Pouco se sabe o porquê daquela tribo, se instalar naquele pedaço de terra ao pé da montanha que ficou ilhado, escondido da grande civilização, entre as duas estradas. Mas lá estavam eles e, de alguma forma muitos deles sentiam algo diferente quando olhavam para o alto do pico, sobretudo o cacique/pajé. Ele sentia vontade de cantar e dançar, mas não sabia exatamente o quê nem para quê… E passou a sonhar com onças e isso durou anos.
Há alguns dias, estive na aldeia pela manhã, o cacique/pajé apareceu, sorrindo, tomado de uma paz profunda, cumprimentou a todos. Sentou a meu lado e me disse depois de um tempo: “Você já reparou como o sol bate na montanha e a sombra que faz aqui em baixo?”
Eu, sem muito entender, respondi o obvio. Ele sorriu novamente, fixou seu olhar na montanha e começou a contar esta história. Por fim, disse que o dia ainda ficaria mais quente. Não tive coragem de perguntar se ele viu o desenho da onça novamente refletido na clareira, qual seria o seu significado para esta tribo?