Na Íntegra: “Haverá um motivo pra não desistir?”

20 de agosto de 2010 0 Por CONPOEMA

Aqui você confere a versão integral do texto de Eduardo Bartolomeu “Haverá um motivo pra não desistir?” sobre a resistência cultural na periferia, publicado na edição nº15 do Informativo Ôxe! em Agosto de 2010. Se quiser saber mais sobre a temporada que a Cia. Teatro de Segunda Feira fez na Comunidade Cultural Quilombaque e motivou o texto abaixo, veja estas ótimas resenha e imagens de Silvio Luz sobre o espetáculo, direto do site do Quilombaque.

Haverá um motivo pra não desistir?
Por: Eduardo Bartolomeu

     Assim como comer, fazer xixi e respirar, lutar pela cultura se tornou uma necessidade básica na vida de algumas pessoas da cidade de Francisco Morato e região. Lutar, primeiramente tentando persistir com seus trabalhos e depois, de alguma forma, tentando afetar o Poder Público para que contribua com a cultura sem querer barganhar com as boas e conhecidas concessões camaradas. Camaradas? Sim, camaradas, pois o político espertalhão, malandro  que é, ao passo que não cumpre seus deveres públicos, se vale de uma série de coleguismos, o velho e bom jogo do rabo preso ou das tetas fartas, que muita gente é capaz de doar um braço seu, mas não é capaz de parar de jogar.
     Que o cenário da Cultura no que diz respeito ao poder público na nossa cidade e em alguns lugares da nossa região, segue desolador, é visível a olhos nus, exposto literalmente em *Praça Pública. Haverá portanto uma possibilidade para as pessoas que trabalham dançando, cantando, atuando, não desistirem de trabalhar por aqui para irem de mala e cuia buscar outras oportunidades em outros locais?
     Se encararmos com um mínimo de lucidez e conhecimento da realidade local, a resposta para esta questão pode ser muito negativa. Mas vez ou outra, acontece alguma coisa, alguma faísca com uma potência tamanha, que tem a capacidade de soar ventos revigorantes.  Para mim, uma destas faíscas foi o fato da Cia Teatro de Segunda-Feira ter realizado uma temporada do espetáculo “Via Crúcis – a paixão nossa de cada dia” no espaço da Associação Cultural Quilombaque. Dois grupos, duas iniciativas que se uniram, uma com um trabalho e a outra com o espaço, para juntas realizarem um trabalho.
     Um encontro: Quilombaque é iniciativa cultural antiga e resistente no bairro de Perus, faz batucadas, abre as portas do seu espaço para realizadores culturais, luta pela dignificação do negro na sociedade; o Segunda-Feira é grupo de teatro que ensaia na região (Morato, Franco, Caieiras, SP…), que também são lugares onde moram seus integrantes.
     Uma faísca destas tem o poder de renovar nossas energias. Ela comprova que, diante da situação vergonhosa de desrespeito por parte dos nossos governantes, o fortalecimento de uma rede real de realizadores culturais, é uma possibilidade (a única?) para que em breve não ocorra uma desertificação dos artistas nesta região. É o velho e bom dar as mãos em parceria para não desistir da caminhada… É a cultura feita pelos realizadores culturais, numa terra onde se entende Política Cultural como Casa de Cultura para formalização de uma visão estreita, provinciana e partidária de Cultura.
     Mas vamos ao trabalho do grupo…
     “Via Crúcis – a paixão nossa de cada dia” foi um espetáculo parido num processo longo, acompanhei e participei de uma parte do projeto e pude ver que as pedras no caminho, são as mesmas que o grupo que participo encontra, são também as mesmas que tantos e tantos outros parceiros encontram diariamente. Falta grana para tudo e é preciso dar nó em pingo d’água para tocar as idéias. E quem dera isto fosse uma realidade somente para grupos mais jovens como os nossos por aqui, neste exato momento eu acompanho e convivo com a dificuldade em “existir e resistir” do Teatro Vento Forte, já na estrada há 37 anos, mas compartilhando com o “Segunda-Feira” esta dificuldade que pede  heroísmo dos que trabalham com cultura no Brasil.
     Mas ao Segunda-Feira, ter tido um processo longo e como eu bem sei, dolorido, não restou uma meia-dúzia de desculpas para a criação de um trabalho descomprometido e sem qualidade. Muito pelo contrário, o grupo levou ao público, com muita coragem e honestidade, um trabalho muito bonito, um dos mais bonitos que vi este ano. Tratou o conformismo da sociedade, a robotização do trabalho, de forma poética e por isto mesmo, profunda. Conduziu o público num jogo prazeroso, mas não se eximiu de colocar em cena figuras que expressam o sufoco que vivemos nesta sociedade. E fez isto com muita sátira, nos fazendo rir das patetices que a mercantilização impõe.
     Peço desculpas se parecer pretensão ou empolgação, mas a minha sensação é a de observar encontros de parceiros que, mantidas as suas singularidades, estão, nestas parcerias, construindo verdadeiras trincheiras de resistência cultural. Talvez seja um escudo, ainda no início de sua confecção, sendo gerado para que a dança das cadeiras destes governantes que temos por aqui, não fragilizem  os sonhos dos que querem batucar, dançar, escrever, desenhar, atuar.
     “Via Crucis” também fala desta resistência do artista, apesar da família e do comércio ganharem mais enfoque na montagem.
     Caminhando pelos espaços do Quilombaque, os atores/personagens nos conduziam a divertidos jogos para falar de realidades tão cinzentas. Com a diversão tratando desta solidão… E não era mais ou menos isto o que queria Brecht?
     O grupo não se escorou na desculpa de “se é na periferia, pode ser de qualquer jeito”. Periferia é mais um lugar do mundo, que pelo visto (e como o Segunda-Feira provou com seu trabalho), não precisa ser um lugar de gente burra que leva a vida nas coxas.

     Vida longa ao Via Crucis!

* A Praça Belém, única Praça de Francisco Morato localizada no centro da cidade é tratada com um desrespeito espantoso, com banheiros inutilizáveis, sujeira pra todo lado durante o ano inteiro, com exceção de quando ela se transforma em palco para a realização dos feirões de automóveis, promovidos por agências com o total consentimento do Poder Público local.