Prelúdio – Gilberto Araújo

1 de setembro de 2016 0 Por Fabia Pierangeli

periferia-vermelhaPeriferia Vermelha

(Gilberto Araújo*)

Demora,
mas uma hora
A ficha cai
E você entende
de repente
que nem sempre
a cor mais reluzente
é dourada
E ela sempre esteve lá
Escancarada
Estampada
Como um tapa na cara
Pra quem quiser ver
E perceber
Que toda periferia é
e sempre foi vermelha

Não porque seja petista
Ou ostente ser comunista

mas porque lá
os tijolos mais acessíveis
para se construir o que dá
Nos espaço que couber
Com o dinheiro que der
uma, duas, três vezes por ano
são do melhor tijolo baiano

E permanecem assim
Nesse tom carmim
não porque esteticamente
seria mais agradável aos olhos
Como pensaríamos normalmente
Ou que foi decidido comumente
entre todos
Que o melhor tom para a paisagem
Vista de longe
Seria vermelha

É vermelha porque lá
as ruas dos morros
que constam asfaltadas
nos anais da prefeitura
Desde sempre
Ainda são,
na real
nua e crua
são de terra rubra
Faça sol
Ou faça chuva

porque as chamas
que queimam
o cobre
nobre
e monturo de lixo
atrás do muro
com pixo
são vermelhas

E Tem vela vermelha
E pimenta malagueta
No despacho da encruzilhada
De toda periferia encarnada

A periferia é vermelha
porque é no farol vermelho
sob um sol ainda mais vermelho
que o menino
sozinho
gira seus pauzinhos
Na esperança equilibrista
De angariar
uns trocadinhos
Que todo motorista
Tem,
mas prefere não dar
Pra não incentivar
Pra não compactuar

é vermelha
porque nos becos
pontes e botecos
Pra um instante de alforria
e olhos avermelham
em plena luz do dia

Não, ainda não virou moda
Como as bolinhas
E os cards na escola
Não virou moda
O uso em massa
de lentes vermelhas

A periferia é vermelha
Porque suas ruelas
São como veias
Abertas, rasgadas
Pela a sirene ensandecida
E seu furor Escarlate
genocida
Varando a madrugada
Como ratos
Em busca de comida

Ainda que a fonte negra
Tenha a alma colorida
O líquido escorrendo na sarjeta
no domingo de manhã
É vermelho
E corre mudo em segredo
Ainda quente
E se misturou com a cor da aurora
Impunemente
Criando um terceiro tom
Que vai nos acostumando
Por ser Tão recorrente

*Gilberto Araújo é poeta moratense e mantém um blog de poesias: http://moinhoamarelo.blogspot.com.br/