Carta de Marcos Tupã, coordenador da Comissão Guarani Yvyrupá, respondendo às críticas sobre a intervenção em escultura ao lado do Parque Ibirapuera, em São Paulo
Monumento à resistência do povo guarani
Para nós, povos indígenas, a pintura não é uma agressão ao corpo, mas uma forma de transformá-lo. Nós, da Comissão Guarani Yvyrupa, organização política autônoma que articula o povo guarani no sul e sudeste do país, realizamos no último dia 02 de outubro, na Av. Paulista, a maior manifestação indígena que já ocorreu em São Paulo desde a Confederação dos Tamoios. Mais de quatro mil pessoas ocuparam a Av. Paulista, sendo cerca de quinhentas delas dos nossos parentes, outros duzentos de comunidades quilombolas e mais de três mil apoiadores não-indígenas, que viram a força e a beleza do nosso movimento. Muitos meios de comunicação, porém, preferiram noticiar nossa manifestação como se tivesse sido uma depredação de algo que os brancos consideram ser uma obra de arte e um patrimônio público.
Saindo da Av. Paulista, marchamos em direção a essa estátua de pedra, chamada de Monumento às Bandeiras, que homenageia aqueles que nos massacraram no passado. Lá subimos com nossas faixas, e hasteamos um pano vermelho que representa o sangue dos nossos antepassados, que foi derramado pelos bandeirantes, dos quais os brancos parecem ter tanto orgulho. Alguns apoiadores não-indígenas entenderam a força do nosso ato simbólico, e pintaram com tinta vermelha o monumento. Apesar da crítica de alguns, as imagens publicadas nos jornais falam por si só: com esse gesto, eles nos ajudaram a transformar o corpo dessa obra ao menos por um dia. Ela deixou de ser pedra e sangrou. Deixou de ser um monumento em homenagem aos genocidas que dizimaram nosso povo e transformou-se em um monumento à nossa resistência.
Ocupado por nossos guerreiros xondaro, por nossas mulheres e crianças, esse novo monumento tornou viva a bonita e sofrida história de nosso povo, dando um grito a todos que queiram ouvir: que cesse de uma vez por todas o derramamento de sangue indígena no país! Foi apenas nesse momento que esta estátua tornou-se um verdadeiro patrimônio público, pois deixou de servir apenas ao simbolismo colonizador das elites para dar voz a nós indígenas, que somos a parcela originária da sociedade brasileira. Foi com a mesma intensão simbólica que travamos na semana passada a Rodovia dos Bandeirantes, que além de ter impactado nossa Terra Indígena no Jaraguá, ainda leva o nome dos assassinos.
A tinta vermelha que para alguns de vocês é depredação já foi limpa e o monumento já voltou a pintar como heróis, os genocidas do nosso povo. Infelizmente, porém, sabemos que os massacres que ocorreram no passado contra nosso povo e que continuam a ocorrer no presente não terminaram com esse ato simbólico e não irão cessar tão logo. Nossos parentes continuam esquecidos na beira das estradas no Rio Grande do Sul. No Mato Grosso do Sul e no Oeste do Paraná continuam sendo cotidianamente ameaçados e assassinados a mando de políticos ruralistas que, com a conivência silenciosa do Estado, roubam as terras e a dignidade dos que sobreviveram aos ataques dos bandeirantes. Também em São Paulo esse massacre continua, e perto de vocês, vivemos confinados em terras minúsculas, sem condições mínimas de sobrevivência. Isso sim é vandalismo.
Ficamos muito tristes com a reação de alguns que acham que a homenagem a esses genocidas é uma obra de arte, e que vale mais que as nossas vidas. Como pode essa estátua ser considerada patrimônio de todos, se homenageia o genocídio daqueles que fazem parte da sociedade brasileira e de sua vida pública? Que tipo de sociedade realiza tributos a genocidas diante de seus sobreviventes? Apenas aquelas que continuam a praticá-lo no presente. Esse monumento para nós representa a morte. E para nós, arte é a outra coisa. Ela não serve para contemplar pedras, mas para transformar corpos e espíritos. Para nós, arte é o corpo transformado em vida e liberdade e foi isso que se realizou nessa intervenção.
Aguyjevete pra todos que lutam!
Marcos dos Santos Tupã, 43, é liderança indígena e Coordenador Tenondé da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY).
Ato Indígena convocado pela Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), ocorrerá no dia 2 de outubro, a partir das 17hrs, saindo do Vão Livre do MASP. Junte-se em defesa dos direitos indígenas, contra o ataque dos ruralistas!
Para apoiar, contato pelo inbox ou via comissao@yvyrupa.org.br
CONVOCATÓRIA
A Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), organização que congrega as diversas aldeias do povo guarani localizadas nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, anuncia sua adesão e apoio à semana de MOBILIZAÇÃO NACIONAL INDÍGENA convocada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), entre os dias 30 de setembro e 5 de outubro de 2013.
A pauta da Mobilização Nacional Indígena é a defesa da Constituição Federal, que completa 25 anos em outubro, e o repúdio ao ataque aos direitos indígenas em marcha no Congresso Nacional.
A mesma bancada ruralista que no ano passado destruiu o Código Florestal e que domina o Congresso Nacional tenta agora fazer passar várias medidas legislativas para impedir a demarcação de terras e trazer sofrimento aos nossos povos indígenas. Nós Guarani não temos terras para criar nossos filhos, vivemos em espaços minúsculos, em beiras de estrada, em áreas de conflito, lutando pelos nossos direitos.
A PEC 215, que tenta passar para o Congresso a prerrogativa de homologar todas as Terras Indígenas, tanto as demarcadas como as ainda não demarcadas, é uma afronta à dignidade humana, pois sabemos que o Congresso é dominado por fazendeiros que não se preocupam com nossos direitos e paralisarão todos os processos. Também há o PLP 227, que visa permitir a colonização das terras indígenas, legalizando a grilagem, permitindo a instalação de todo o tipo de empreendimentos sobre nossas terras, e descaracterizando nossos direitos. Há um bombardeio de projetos de lei e propostas de emenda constitucional que ferem nossos direitos, e que só atendem ao interesse dos ruralistas, dos mineradores e daqueles que se enriquecem no Brasil à custa do sofrimento da maioria.
Não aguentamos mais esse Estado colonizador e oligárquico!
Por isso, anunciamos que REALIZAREMOS NO DIA 2 DE OUTUBRO UM ATO NO VÃO LIVRE DO MASP, com várias comunidades guarani de aldeias localizadas na Grande São Paulo e no litoral como parte das ações da Mobilização Nacional convocada pela APIB.
Convocamos a todos os paulistanos, aos movimentos sociais e àqueles que defendem a preservação do meio-ambiente para as futuras gerações para se juntarem a nós nesse ato.
Aguyjevete pave!
Obrigado a todos!
Contamos com vocês!
Mais informações sobre a mobilização nacional no Blog da APIB
http://mobilizacaonacionalindigena.wordpress.com/
Curta a página da Comissão Guarani Yvyrupa – CGY no Facebook para saber mais notícias.
Nós caciques e lideranças Mbya Guarani, de São Paulo, capital, litoral sul e Vale do Ribeira, estivemos reunidos entre os dias 16 e 18 de setembro de 2013 na aldeia Tekoá Pyau, localizada no bairro do Jaraguá, município de São Paulo. Neste encontro, tratamos de diversos assuntos que atingem as comunidades, saúde, educação e territorialidade. O conteúdo da reunião foi documentado em relatório que será disponibilizado.
Todas as lideranças das aldeias estão preocupadas com a criação da comissão especial em Brasília, que irá discutir a PEC 215. Hoje a demarcação é conduzida pelo poder executivo (portaria 775), mas a PEC 215 retira o processo demarcatório das mãos do poder executivo e passa ao legislativo. Assim, a aprovação da demarcação, que já tem sido extremamente lenta, passaria por mais uma dificuldade, pois dependeria do apoio de deputados.
Sabemos, no entanto, que a bancada ruralista é muito forte e seus representantes vão trabalhar para dificultar ainda mais a demarcação das terras. Além disso, aquelas que já estão demarcadas correriam o risco de serem revistas. Ou seja, as comunidades estão se sentindo ameaçadas e as famílias se encontram em um momento de grande preocupação.
Enquanto discutimos sobre a questão de saúde e educação, temos ciência de que primeiro é fundamental que se tenha o reconhecimento da terra, ou seja, a demarcação. Afinal, o estado brasileiro só reconhece e investe nos postos de saúde ou escola quando a terra está demarcada.
Entendemos que a prioridade de nossa discussão está centrada na questão da terra, declaramos por meio dessa carta, que somos contra o projeto de emenda constitucional (PEC 215). Além dos aspectos acima mencionados, essa PEC fere um princípio fundamental da Constituição Brasileira, definido em seu artigo 231, segundo o qual o dever do Estado brasileiro é proteger as comunidades tradicionais indígenas.
Segundo a convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) toda a alteração de regras que afeta os povos indígenas e seus direitos assegurados deveria passar por uma consulta prévia a esses povos. A maneira como a emenda constitucional está sendo proposta, portanto, é inconstitucional e representa um total desrespeito a tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário.
Orema ndoroipotai “PEC 215”!
São Paulo dia 18 de setembro de 2013.
Uvixa kuery nhemboa’ty – Encontro dos caciques Mbya Guarani
Aldeia Tekoá Pyau, São Paulo/SP.
fonte: racismo ambiental e Tupã Guarani
Hoje nós indígenas guarani de todas as aldeias de São Paulo fechamos pacificamente a rodovia dos bandeirantes, que passa em cima da nossa aldeia no Pico do Jaraguá. Fizemos isso para vocês brancos saberem que nós existimos e que estamos lutando por nossas terras, porque precisamos delas para ter onde dormir e criar nossas crianças. Esse nome, bandeirantes, para nós significa a morte dos nossos antepassados. Mas muitos de vocês brancos tem orgulho deles e dos seus massacres contra nosso povo.
Em homenagem a eles vocês batizaram o palácio do governador de São Paulo, e levantaram estátuas por toda parte. Há muitos que querem repetir o que fizeram os bandeirantes no passado, nos exterminando e roubando nossas terras para enriquecer.
Os políticos ruralistas, aliados do Governo, querem aprovar a PEC 215, para parar todas as demarcações que ainda faltam, e ainda roubar terras que já estão demarcadas. Nossos guerreiros vão continuar resistindo, e faremos o que for necessário para ter uma parte das nossas terras de volta. Nós somos os primeiros habitantes desse território.
Será que há muita terra pra pouco índio? Não é essa a nossa realidade.
Vivemos no que sobrou da mata atlântica, nossas terras são minúsculas e somos muitos, enquanto alguns poucos políticos e empresários tem muita terra e ainda querem mais.
Com esse ato pacífico que fazemos agora exigimos:
- Que os deputados arquivem a PEC 215, e parem de tentar destruir nossos direitos..
- Que o Ministro da Justiça publique as portarias declaratórias das Terras Indígenas Jaraguá e Tenondé Porã.
- Que o Governador do Estado retire as ações judiciais contra nossos parentes que têm áreas em sobreposição com Parques Estaduais.
Nossa resistência continua com a jornada de mobilização nacional indígena, convocada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.
Junto com nossos parentes do litoral faremos um grande ato na Avenida Paulista, no dia 2 de outubro, no Vão Livre do MASP…
Convocamos todos os movimentos sociais e todas as pessoas que são contra a devastação da natureza e são contra a concentração da riqueza do país na mão de poucos latifundiários…
Vamos às ruas nesse dia para mostrar que nesse país deve ter espaço para todos!
A volta dos indígenas à pauta do país tem gerado discursos bastante reveladores sobre a impossibilidade de escutá-los como parte do Brasil que têm algo a dizer não só sobre o seu lugar, mas também sobre si. Os indígenas parecem ser, para uma parcela das elites, da população e do governo, algo que poderíamos chamar de “estrangeiros nativos”. É um curioso caso de xenofobia, no qual aqueles que aqui estavam são vistos como os de fora. Como “os outros”, a quem se dedica enorme desconfiança. No processo histórico de estrangeirização da população originária, os indígenas foram escravizados, catequizados, expulsos, em alguns casos dizimados. Por ainda assim permanecerem, são considerados entraves a um suposto desenvolvimento. A muito custo foram reconhecidos como detentores de direitos, e nisso a Constituição de 1988 foi um marco, mas ainda hoje parecem ser aqueles com quem a sociedade não índia tem uma dívida que lhe custa reconhecer e que, para alguns setores – e não apenas os ruralistas –, seria melhor dar calote. Para que os de dentro continuem fora é preciso mantê-los fora no discurso. É isso que também temos testemunhado nas últimas semanas.
Entre os exemplos mais explícitos está a tese de que não falam por si. Aos estrangeiros é negada a posse de uma voz, já que não podem ser reconhecidos como parte. Sempre que os indígenas saem das fronteiras, tanto as físicas quanto as simbólicas, impostas para que continuem fora, ainda que dentro, é reeditada a versão de que são “massas de manobra” das ONGs. Vale a pena olhar com mais atenção para essa versão narrativa, que está sempre presente, mas que em momentos de acirramento dos conflitos ganha força.
Desta vez, a entrada dos indígenas no noticiário se deu por dois episódios: a morte do terena Oziel Gabriel, durante uma operação da Polícia Federal em Mato Grosso do Sul, e a paralisação das obras de Belo Monte, no Pará, pela ocupação do canteiro pelos mundurucus. O terena Oziel Gabriel, 35 anos, morreu com um tiro na barriga durante o cumprimento de uma ordem de reintegração de posse em favor do fazendeiro e ex-deputado pelo PSDB Ricardo Bacha, sobre uma terra reconhecida como sendo território indígena desde 1993. Pela lógica do discurso de que seriam manipulados pelas ONGs, Oziel e seu grupo, se pensassem e agissem segundo suas próprias convicções, não estariam reivindicando o direito assegurado constitucionalmente de viver na sua área original. Tampouco estariam ali porque a alternativa à luta pela terra seria virar mão de obra barata ou semiescrava nas fazendas da região, ou virar favelados nas periferias das cidades. Não. Os indígenas só seriam genuinamente indígenas se aceitassem pacífica e silenciosamente o gradual desaparecimento de seu povo, sem perturbar o país com seus insistentes pedidos para que a Constituição seja cumprida. Aí já há uma pista para o que alguns setores da sociedade brasileira entendem como identidade “verdadeira”: ser índio seria, quando não desaparecer, ao menos silenciar.
No caso dos mundurucus, questionou-se exaustivamente a legitimidade de sua presença no canteiro de obras da hidrelétrica de Belo Monte, por estarem “a 800 quilômetros de sua terra”. De novo, os indígenas estariam extrapolando fronteiras não escritas. Os mundurucus estavam ali porque suas terras poderão ser afetadas por outras 14 hidrelétricas, desta vez na Bacia do Tapajós, e pelo menos uma delas, São Luiz do Tapajós, deverá estar no leilão de energia previsto para o início de 2014. Se não conseguirem se fazer ouvir agora, eles sabem que acontecerá com eles o mesmo que acabou de acontecer com os povos do Xingu. Serão vítimas de um outro discurso muito em voga, o da obra consumada. A trajetória de Belo Monte mostrou que a estratégia é tocar a obra, mesmo sem o cumprimento das condicionantes socioambientais, mesmo sem a devida escuta dos indígenas, mesmo com os conhecidos atropelamentos do processo dentro e fora do governo, até que a usina esteja tão adiantada, já tenha consumido tanto dinheiro, que parar seja quase impossível.
Adiantaria os mundurucus gritarem sozinhos lá no Tapajós, para serem contemplados no seu direito constitucional, respaldado também por convenção da Organização Internacional do Trabalho, de serem ouvidos sobre uma obra que vai afetá-los? Não. Portanto, eles foram até Belo Monte se fazer ouvir. Mas, como são indígenas, alguns acreditam que não seriam capazes de tal estratégia política. É preciso resgatar, mais uma vez, o discurso da manipulação – ou da infiltração. Já que, para serem indígenas legítimos, os mundurucus teriam de apenas aceitar toda e qualquer obra – e, se fossem bons selvagens, talvez até agradecer aos chefes brancos por isso.
Quando os indígenas levantam a voz, a voz não seria sua. Seria de um outro, a quem emprestam o corpo. Ninguém é ingênuo a ponto de acreditar que o discurso dos indígenas como massa de manobra seja inocente. Ele serve a muitos interesses, inclusive o de tirar do foco os reais interesses sobre as terras indígenas de quem o difunde. Mas esse discurso não teria ressonância se não tivesse a adesão de uma parte significativa da população brasileira. E esta adesão se dá, me parece, por essa espécie de xenofobia invertida. Estes “estrangeiros nativos” ameaçariam um suposto progresso, já que seu conhecimento não é decodificado como um valor, mas como um “atraso”, sua enorme diversidade cultural e de visões de mundo não são interpretadas como riqueza e possibilidades, mas como inutilidades. Neste sentido, há uma frase bastante reveladora de como esse olhar – ou não olhar – contamina amplas parcelas da sociedade, inclusive no governo. Ao falar em uma audiência pública na Câmara dos Deputados, em dezembro passado, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse que sua pasta atendia “da toga à tanga”. Entre os dois extremos, podemos ver em qual deles o ministro situa o ápice da civilização e também o seu oposto.
Há ainda uma dupla invocação do estrangeiro nesse discurso, já que a única coisa pior do que ser “massa de manobra” de ONGs nacionais seria ser das estrangeiras. Evocar a ameaça externa parece sempre funcionar, como naqueles SPAMs, que volta e meia reaparecem, de que “os gringos estão invadindo a Amazônia” – esta também, tão nossa que podemos destruí-la, tarefa a que temos nos dedicado com afinco. Ao denunciar uma suposta apropriação do corpo simbólico dos indígenas por outros, o que se revela, de fato, é a frustração porque esse corpo não se deixa expropriar e manipular pelas elites como antes. Porque apesar de todas as violências, há uma voz que ainda escapa – e que demanda o reconhecimento de seu corpo-terra, de seu pertencimento. Aquele que é visto como o de fora se torna um incômodo quando diz que é parte.
Vale a pena prestar atenção em quem amplifica o discurso dos indígenas como “massa de manobra”, para verificar que fazem exatamente o que acusam outros de fazer: afirmam o que os indígenas, todos eles, precisam e querem. Parece haver um consenso, inclusive, de que o verdadeiro desejo dos indígenas seria se tornar um trabalhador assalariado e urbano ou, pelo menos, o beneficiário de algum programa de transferência de renda do governo.
Nesta posição, eles não atrapalhariam ninguém – e menos ainda os produtores rurais. Este é o momento chave para a entrada de outro discurso recorrente: o de que os indígenas querem terra “demais”. Basta fazer as contas, como fez o jornalista Fabiano Maisonnave, na Folha de S. Paulo: com uma população de 28 mil indígenas em Mato Grosso do Sul, os terenas têm sete reservas, somando cerca de 20 mil hectares; já o produtor rural Ricardo Bacha, em cuja fazenda foi morto o terena Oziel Gabriel, tem cerca de 6.300 hectares, dos quais 800 em litígio. Se é de concentração de terra na mão de poucos que se pretende falar, há muitos números ilustrativos que podem ser citados. Outro dado interessante vem de uma pesquisa da Embrapa, citada em artigo do engenheiro florestal Paulo Barreto, no site O Eco: há 58,6 milhões de hectares de pastos degradados pela pecuária, o equivalente a 53% da área total de terras indígenas. “A Embrapa tem demonstrado que já existem as tecnologias para aumentar a produtividade dos pastos degradados. Assim, ocupar terra indígena é, além de inconstitucional, prova de incompetência”, afirma Barreto. A Embrapa é um dos novos atores que deverão ser chamados para opinar sobre as demarcações, numa manobra para esvaziar a Funai e agradar a bancada ruralista.
O lugar de estranho indesejado,supostamente sem espaço no Brasil que busca o desenvolvimento, tem permitido todo o tipo de atrocidades contra indivíduos e também contra etnias inteiras ao longo da história. Seria muito importante que cada brasileiro reservasse meia hora ou menos do seu dia para ler pelo menos as primeiras 16 páginas do resumo do Relatório Figueiredo, um documento histórico que se acreditava perdido e que foi descoberto no final de 2012 por Marcelo Zelic, vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, de São Paulo. No total, o procurador Jáder Figueiredo Correia dedicou 7 mil páginas para contar o que sua equipe viu e ouviu. A íntegra também está disponível na internet.
O relatório, datado de 1968, documentou o tratamento dado aos povos indígenas pelo extinto Serviço de Proteção aos Índios (SPI). Entre os crimes, cujos responsáveis foram nominados, mas jamais punidos, estão os “castigos” infligidos pelos funcionários aos indígenas, como crucificações e uma tortura conhecida como “tronco”, na qual a vítima tinha o tornozelo triturado. Crianças eram vendidas para abusadores, mulheres, estupradas e prostituídas. Duas aldeias de pataxós, na Bahia, foram dizimadas para atender aos interesses de políticos de expressão nacional da época.Uma nação indígena inteira foi extinta por fazendeiros, no Maranhão, sem que os funcionários sequer tentassem protegê-la. O procurador cita a possível inoculação do vírus da varíola em uma etnia de Itabuna, na Bahia, para que as terras fossem liberadas para “figurões do governo”, assim como o extermínio de um grupo de cintas-largas, em Mato Grosso, de várias formas: atirando dinamite de um avião e adicionando estricnina ao açúcar, além de caçá-los e matá-los com metralhadoras. O massacre ocorreu em 1963, ainda no período democrático, portanto, e os que ainda assim sobreviveram foram rasgados com o facão, “do púbis a cabeça”.
A lista é longa. É importante ressaltar que tudo isso não se passou na época de Pedro Álvares Cabral, nem mesmo no tempo dos bandeirantes, mas na década de 60 do século XX. Praticamente ontem, do ponto de vista histórico. Cabe enfatizar ainda que os crimes foram infligidos aos indígenas, num comportamento disseminado por todo o país, por representantes do Estado brasileiro. Menciono o relatório não só porque acredito que precisamos conhecê-lo, mas porque ele demonstra que tipo de olhar permite que atrocidades dessa ordem tenham se tornado uma política não oficial, mas exercida como se fosse – e não por um único psicopata, mas por dezenas de funcionários e suas esposas, com o apoio e às vezes a ordem da direção do órgão criado para proteger os povos tradicionais. Para estas pessoas, o corpo dos indígenas era território a ser violado, como violada foi a sua terra. Como aqueles sem lugar, os indígenas não eram reconhecidos como iguais, nem mesmo como humanos. Eram o que, então? O procurador responde: “Tudo como se o índio fosse um irracional, classificado muito abaixo dos animais de trabalho, aos quais se presta, no interesse da produção, certa assistência e farta alimentação”.
Para quem imagina que este capítulo é parte do passado, vale a pena lembrar que apenas nos últimos dez anos, nos governos Lula-Dilma, foram assassinados 560 indígenas. A Constituição precisa ser cumprida, as demarcações devem ser feitas, os fazendeiros que possuem títulos legais, distribuídos pelo governo no passado, têm direito a ser indenizados pelo Estado. Mas há um movimento maior, mais profundo, que é preciso empreender. Como “estrangeiro nativo”, uma impossibilidade, só é possível perpetuar a violência.É necessário fazer o gesto, também em nível individual, de reconhecer o indígena como parte, não como fora. Para isso é preciso primeiro desejar conhecer, o gesto que precede o reconhecimento. Só então o Brasil encontrará o Brasil.
Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista. Autora de um romance – Uma Duas (LeYa) – e de três livros de reportagem: Coluna Prestes – O avesso da lenda (Artes e Ofícios), A vida que ninguém vê (Arquipélago, Prêmio Jabuti 2007) e O olho da rua – uma repórter em busca da literatura da vida real (Globo).
elianebrum@uol.com.br
Twitter: @brumelianebrum
Há hoje, dentro do imaginário da sociedade brasileira atual, certo estereótipo arbitrário acerca da definição sobre “quem é” e “quem não é” índio*. Esse estereótipo, surgido nos tempos coloniais e reforçado ao longo da história, carrega consigo uma concepção de índio na qual alguns de seus traços culturais foram selecionados pela sociedade nacional como verdadeiros do ser indígena. Tais traços, enrijecidos no imaginário brasileiro, identificam como índio apenas aquele indivíduo que mora em aldeia e que se parece, nas suas representações estéticas, com um índio de tempos passados.
Mas, por incrível que pareça, há também índios que vivem em cidades. De acordo com o Censo 2010 do IBGE, mais de 324 mil indígenas (36% do total) vivem em áreas urbanas no Brasil. Só em São Paulo vivem quase 12 mil – número que faz da capital paulista a primeira do país em número de indígenas. São várias as etnias presentes na cidade: Maxacali, Tubinambá, Xavante, Terena, Kaingang, Krenák, Kuruáya, Pataxó, Fulni-ô, Pankararu, Pankararé, Kariri, Kariri-Xocó, Atikum, Xokléng, entre outras.
A natureza da inserção do índio nas áreas urbanas pode ser entendida por duas razões, entre as quais duas parecem se destacar. A primeira envolve as terras indígenas que acabaram sendo inseridas na região metropolitana devido ao crescimento da cidade. A segunda diz respeito à migração de membros de povos indígenas de outras regiões do país para os grandes centros urbanos em busca de melhores condições de vida. Este fenômeno é bastante verificável em cidades como São Paulo, Manaus, Boa Vista, Belém e Campo Grande.
A realidade, porém, mostra que a vida urbana acarreta em uma série de dificuldades para os indígenas. Isto é o que se constata em quatro aldeias indígenas guarani que estão no perímetro urbano de São Paulo. Duas delas, chamadas Barragem e Krukutu, localizam-se no extremo sul da cidade e possuem população de cerca de 850 guarani. As duas outras aldeias, Tekoa Ytu e Tekoa Pyau, conhecidas como aldeias do Pico de Jaraguá, estão localizadas na zona oeste da cidade, ao lado do Parque Estadual do Jaraguá, e possui população de aproximadamente 600 guarani. A realidade das quatro aldeias guarani na cidade aproxima-se muito da realidade vivida pela população da periferia de um grande centro com todas as suas mazelas (acesso limitado a serviços, como saúde e educação, e condições inadequadas de moradia) acrescido, contudo, de discriminação e do racismo construído historicamente contra essa população.
Desta forma, a presença indígena nas cidades traz um duplo desafio. O primeiro, referente à política indigenista é o de adequar o direito dos povos indígenas de forma a contemplar essa realidade em meio urbano. O segundo, referente à política urbana, é buscar formas de garantir a diversidade no exercício do direito à cidade.
As políticas públicas para indígenas atualmente existentes estão concentradas em algumas frentes temáticas, relacionadas principalmente a questões de saúde, educação diferenciada e moradia. São, por vezes, políticas que de fato satisfazem aos interesses desses povos e, mesmo que ainda não suficientes em relação à demanda destas populações, e elaboradas de forma não necessariamente participativa, são um posicionamento político do Estado no reconhecimento da necessidade por políticas sociais diferenciadas.
No entanto, as políticas públicas existentes possuem um traço negativo em comum: a grande maioria não se estende aos indígenas que vivem fora de Terra Indígena (TI) demarcada pelo Estado nacional. Segundo o IBGE (2010), dos indígenas que vivem em área urbana, 92% vivem fora de TI*. Dessa forma, a imensa maioria dos índios que vivem nas cidades fica descoberta das políticas indigenistas do Estado devido ao recorte territorial: estar ou não dentro de TI. Por mais que o Estado brasileiro tenha avançado no reconhecimento da necessidade de construção de políticas sociais diferenciadas para os povos indígenas, a questão do “pré-requisito do território” é ainda um nó que precisa ser superado.
A demarcação da terra é de extrema importância para povos que necessitam de uma medida que dê segurança sobre seus espaços geográfico-cosmológicos, sendo estes um meio de afirmação de seus modos de vida. Mas essa problemática, quando levada no contexto urbano, deve ser analisada em toda a sua complexidade. É preciso levar em consideração a realidade na qual os indígenas urbanos estão inseridos e os motivos que os levaram à cidade ou os que fizeram a cidade chegar até eles.
*As autoras Andrezza Richter, Carolina Rocha Silva e Kárine Michelle Guirau fazem parte do projeto “A cidade como local de afirmação dos direitos indígenas” do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos.
Características Gerais dos Indígenas: Resultados do Universo
As Características Gerais dos Indígenas apresentam tabelas em formato xls, ods e pdf com informações sobre sexo, idade, etnia, língua falada, condição de alfabetização e características dos domicílios desse contingente populacional, entre outros aspectos. Os resultados são para o conjunto do País, Grandes Regiões, Unidades da Federação e Terras Indígenas .
Também é possível consultar a composição da etnia e da língua indígena falada, a relação das terras indígenas existentes no País, com a situação fundiária até 31/12/2010, como também, tabelas complementares, com resultados selecionados para as terras indígenas.
A publicação completa, com notas técnicas, considerações metodológicas sobre a pesquisa, comentários sobre os aspectos apresentados e os conceitos e definições das características divulgadas pode ser consultada no site:
Carta do Cacique Mutua (dos Povos Xavantes) a todos os povos da Terra
O Sol me acordou dançando no meu rosto. Pela manhã, atravessou a palha da oca e brincou com meus olhos sonolentos. O irmão Vento, mensageiro do Grande Espírito, soprou meu nome, fazendo tremer as folhas das plantas lá fora. Eu sou Mutua, cacique da aldeia dos Xavantes. Na nossa língua, Xingu quer dizer água boa, água limpa. É o nome do nosso rio sagrado. Como guiso da serpente, o Vento anunciou perigo. Meu coração pesou como jaca madura, a garganta pediu saliva. Eu ouvi. O Grande Espírito da floresta estava bravo. Xingu banha toda a floresta com a água da vida. Ele traz alegria e sorriso no rosto dos curumins da aldeia. Xingu traz alimento para nossa tribo.
Mas hoje nosso povo está triste. Xingu recebeu sentença de morte. Os caciques dos homens brancos vão matar nosso rio. O lamento do Vento diz que logo vem uma tal de usina para nossa terra. O nome dela é Belo Monte. No vilarejo de Altamira, vão construir a barragem. Vão tirar um monte de terra, mais do que fizeram lá longe, no canal do Panamá.
Enquanto inundam a floresta de um lado, prendem a água de outro. Xingu vai correr mais devagar. A floresta vai secar em volta. Os animais vão morrer. Vai diminuir a desova dos peixes. E se sobrar vida, ficará triste como o índio.
Como uma grande serpente prateada, Xingu desliza pelo Pará e Mato Grosso, refrescando toda a floresta. Xingu vai longe desembocar no Rio Amazonas e alimentar outros povos distantes. Se o rio morre, a gente também morre, os animais, a floresta, a roça, o peixe tudo morre. Aprendi isso com meu pai, o grande cacique Aritana, que me ensinou como fincar o peixe na água, usando a flecha, para servir nosso alimento.
Se Xingu morre, o curumim do futuro dormirá para sempre no passado, levando o canto da sabedoria do nosso povo para o fundo das águas de sangue. Pela manhã, o Vento me levou para a floresta. O Espírito do Vento é apressado, tem de correr mundo, soprar o saber da alma da Natureza nos ouvidos dos outros pajés. Mas o homem branco está surdo e há muito tempo não ouve mais o Vento.
Eu falei com a Floresta, com o Vento, com o Céu e com o Xingu. Entendo a língua da arara, da onça, do macaco, do tamanduá, da anta e do tatu. O Sol, a Lua e a Terra são sagrados para nós. Quando um índio nasce, ele se torna parte da Mãe Natureza. Nossos antepassados, muitos que partiram pela mão do homem branco, são sagrados para o meu povo.
É verdade que, depois que homem branco chegou, o homem vermelho nunca mais foi o mesmo. Ele trouxe o espírito da doença, a gripe que matou nosso povo. E o espírito da ganância que roubou nossas árvores e matou nossos bichos. No passado, já fomos milhões. Hoje, somos somente cinco mil índios à beira do Xingu, não sei por quanto tempo.
Na roça, ainda conseguimos plantar a mandioca, que é nosso principal alimento, junto com o peixe. Com ela, a gente faz o beiju. Conta a história que Mandioca nasceu do corpo branco de uma linda indiazinha, enterrada numa oca, por causa das lágrimas de saudades dos seus pais caídas na terra que a guardava.
O Sol me acordou dançando no meu rosto. E o Vento trouxe o clamor do rio que está bravo. Sou corajoso guerreiro, não temo nada.
Caminharei sobre jacarés, enfrentarei o abraço de morte da jiboia e as garras terríveis da suçuarana. Por cima de todas as coisas pularei, se quiserem me segurar. Os espíritos têm sentimentos e não gostam de muito esperar.
Eu aprendi desde pequeno a falar com o Grande Espírito da floresta. Foi num dia de chuva, quando corria sozinho dentro da mata, e senti cócegas nos pés quando pisei as sementes de castanha do chão. O meu arco e flecha seguiam a caça, enquanto eu mesmo era caçado pelas sombras dos seres mágicos da floresta. O espírito do Gavião Real agora aparece rodopiando com suas grandes asas no céu. Com um grito agudo perguntou: Quem foi o primeiro a ferir o corpo de Xingu? Meu coração apertado como a polpa do pequi não tem coragem de dizer que foi o representante do reino dos homens. O espírito do Gavião Real diz que se a artéria do Xingu for rompida por causa da barragem, a ira do rio se espalhará por toda a terra como sangue e seu cheiro será o da morte.
O Sol me acordou brincando no meu rosto. O dia se abriu e me perguntou da vida do rio. Se matarem o Xingu, todos veremos o alimento virar areia.
A ave de cabeça majestosa me atraiu para a reunião dos espíritos sagrados na floresta. Pisando as folhas velhas do chão com cuidado, pois a terra está grávida, segui a trilha do rio Xingu. Lembrei que, antes, a gente ia para a cidade e no caminho eu só via árvores.
Agora, o madeireiro e o fazendeiro espremeram o índio perto do rio com o cultivo de pastos para boi e plantações mergulhadas no veneno. A terra está estragada. Depois de matar a nossa floresta, nossos animais, sujar nossos rios e derrubar nossas árvores, querem matar Xingu.
O Sol me acordou brincando no meu rosto. E no caminho do rio passei pela Grande Árvore e uma seiva vermelha deslizava pelo seu nódulo. Quem arrancou a pele da nossa mãe? gemeu a velha senhora num sentimento profundo de dor. As palavras faltaram na minha boca. Não tinha como explicar o mal que trarão à terra. Leve a nossa voz para os quatro cantos do mundo clamou O Vento ligeiro soprará até as conchas dos ouvidos amigos ventilou por último, usando a língua antiga, enquanto as folhas no alto se debatiam.
Nosso povo tentou gritar contra os negócios dos homens. Levamos nossa gente para falar com cacique dos brancos. Nossos caciques do Xingu viajaram preocupados e revoltados para Brasília. Eu estava lá, e vi tudo acontecer.
Os caciques caraíbas se escondem. Não querem olhar direto nos nossos olhos. Eles dizem que nos consultaram, mas ninguém foi ouvido.
O homem branco devia saber que nada cresce se não prestar reverência à vida e à natureza. Tudo que acontecer aqui vai voar com o Vento que não tem fronteiras. Recairá um dia em calor e sofrimento para outros povos distantes do mundo.
O tempo da verdade chegou e existe missão em cada estrela que brilha nas ondas do Rio Xingu. Pronta para desvendar seus mistérios, tanto no mundo dos homens como na natureza.
Eu sou o cacique Mutua e esta é minha palavra! Esta é minha dança! E este é o meu canto!
Porta-voz da nossa tradição, vamos nos fortalecer. Casa de Rezas, vamos nos fortalecer. Bicho-Espírito, vamos nos fortalecer. Maracá, vamos nos fortalecer. Vento, vamos nos fortalecer. Terra, vamos nos fortalecer. Rio Xingu! Vamos nos fortalecer!
Leve minha mensagem nas suas ondas para todo o mundo: a terra é fonte de toda vida, mas precisa de todos nós para dar vida e fazer tudo crescer. Quando você avistar um reflexo mais brilhante nas águas de um rio, lago ou mar, é a mensagem de lamento do
Xingu clamando por viver.
Carta atribuída ao Cacique Mutua,
Xingu, Pará, Brasil, 08 de junho de 2011
Texto: Dom Pedro Casaldáliga e Pedro Tierra
Música: Martín Coplas
Gravação em cassete: Edições Paulinas Discos, São Paulo 1980.
Apresentação
Memória e Compromisso
Os cristãos estamos habituados a reconhecer e a celebrar somente os mártires que outros nos fazem. Ignoramos tranqüilamente os muitos mártires que nós fazemos.
Aquí, no Brasil, 1978 foi “Ano dos Mártires” da Causa Indígena. Celebravam-se trezentos e cinqüenta anos dos tres Mártires Riograndenses, Roque González, Afonso Rodriguez e João Castilho. O CIMI -Conselho Indigenista Missionário- achou que era de justiça que não se celebrasse apenas a morte dos tres missionários jesuítas. Porque os mortos eram muitos mais. Devia-se também celebrar a morte de milhares de índios, sacrificados pelos Impérios Cristãos da Espanha e Portugal.
Uns e outros, Mártires da Causa Indígena. A Cruz, no meio deles todos. Aqueles, morrendo pelo amor do Cristo. Estes, massacrados “em nome” do Cristo e do Imperador:
… mártires indefensos
pelo Reino de Deus feito Império,
pelo Evangelho feito decreto de Conquista.
Vítimas dos massacres que ficaram com nome glorioso
na mal contada Historia,
na mal vivida Igreja…
(“Proclama Indigena”)
As Ruínas de São Miguel, no Rio Grande do Sul, “monumento-ferida em desafio”, são o testemunho central do intento missionário das “Reduções Indias” dos Jesuítas, nos séculos XVII e XVIII. A famosa República dos Guarani, que mereceu os elogios insuspeitos de Voltaire e de Montesquieu. Essas Ruinas são também o testemunho constrangedor da barbárie dos cristianíssimos colonizadores ocidentais, nossos avós espanhois e portugueses. Sepe Tiaraju, luzeiro na testa, “São Sepé” para a fé do Povo, corregedor da Missão de São Miguel e o mais ilustre chefe guerreiro guarani, foi assassinado, juntamente com outros mil e quinhentos companheiros, pelos Exércitos de Espanha e de Portugal, irmanados na hora da barbárie. Nos campos de Caiboaté, dia 7 de fevereiro de 1756. Nessas Ruínas históricas e nesse Ano dos Mártires da Causa Indígena, nasceu a idéia da Missa da Terra- sem- males.
Pensou-se, primeiro, numa Missa “missioneira” em torno as Missões dos Sete Povos Guarani. Assim me pedia o irmão marista Antônio Cechin, gaucho “arrependido”, revisador da Historia “mal contada”, cronista apaixonado da caminhada do Povo, catequista da Libertação, também perseguido “no Templo e no Pretorio”.
Eu cultivo a convicção de que América Latina -América Amerindia, mais na raiz- ou se salva continentalmente ou continentalmente se afunda. Seu passado de cativeiro é um saque continental. Continental deve ser a marcha de seu futuro de libertação.
Os Povos Indígenas do Continente, alem do mais, tão diversificados em sua cultura e em suas realizações, foram reduzidos, pelos Povos Conquistadores, a categoria anónima e arrasada de “Indios”. Conhecidos como Indios apenas, como Indios foram depredados e confinados aos manuais e as vitrines. Sua Memória, então, devia ser celebrada numa só Missa, una e comum, um Sangue só e uma igual Esperança: a Missa Amerindia.
Eu sou América, sou o Povo da Terra,
da Terra-sem-males,
o Povo dos Andes,
o Povo das Selvas,
o Povo dos Pampas,
o Povo do Mar…
Do Colorado,
de Tenochtitlan,
do Machu-Pichu,
da Patagônia,
do Amazonas,
dos Sete Povos do Rio Grande…
Os Guarani, filhos da grande nostalgia, buscadores incansáveis da “Terra-sem-males”, dariam o utópico tom político e também escatológico. A Terra-sem-males, que a mística guarani secularmente vem procurando, num êxodo comovente, é uma Terra possível, o dever fundamental da História Humana, a tensa alegria de nossa Esperança em Jesus Cristo, o Senhor Ressuscitado, o Novo Céu e a Terra Nova que o Pai Deus jurou dar a seus filhos.
Eu, missionário, espanhol -no caso, ser catalão não fez diferença-, diria minha parte de contrição, em nome da Espanha colonizadora e em nome da Igreja missionária. Pedro Tierra -entranhável pseudónimo de Hamilton Pereira da Silva-, brasileiro telúrico e vítima heróica da Repressão neo-colonizadora, diria sue parte, em nome do Brasil, com a força irada de seus homens novos. E Martín Coplas, argentino, descendente de quechua e aymara -pseudônimo com sabor de alma musical popular e que carrega o respaldo prócero de Martín Fierro- diria, em solfa, em varias músicas aborígenes do Continente, a parte mais profunda. Por Martín falariam outra vez as flautas dos Andes emudecidas e o amedrontado tambor do coração de seu Povo.
O mais, a História ja o contou, bem ou mal. Os Museus exibem-no com sacrílega passividade. E os novos Impérios -nacionais e multinacionais- da cobiça da terra, madeira, minério e mão-de-obra barata- continuam a executá-lo, perante os olhos impassíveis da Civilização Ocidental Cristã.
Verdade é que a última palavra ainda está por dizer:
“América Ameríndia,
aínda na Paixão:
um dia tua Morte
terá Ressurreição!”
Esta Missa ja escandalizou a alguns. E não apenas à TFP, (Tradição, Família e Propriedade) que a tachou de “sacrilega” e “blasfema”. (Falando em TFP e Causa Indígena, lembro-me daquela charge que explica tudo. O Indio pergunta ao heraldo da TFP, que pregona pelas ruas, estandarte em alto, sua ordem conservadora:
“O TFP, tu vai defender também meu Tradição, meu Família e meu Propriedade…?”
Imagino que escandalizará tambem a alguns dos meus nostálgicos patrícios. Foi cantada tão belamente a epopéia hispánica da Descoberta da América! (“Llevaban la Espiga y la Rosa / y los Mandamientos y el Ave María…”).
O etnocentrismo e o lucro capitalista -e todo tipo de egoísmo pessoal, étnico ou econômico-impedem entender e assumir não apenas esta Missa, mas toda Missa. Porque toda Missa verdadeira escandaliza necessariamente. A Missa é sempre uma ruptura, um Sacrificio, uma Passagem libertadora da Morte para a Vida: PASCOA.
Os cristãos primitivos tinham uma consciência mais clara do risco que significava celebrar a Ceia Pascal do Senhor, aquela “memória perigosa”.
Para nós -cristãos menos lúcidos ou menos honestos- a Missa tem sido, por tempo demasiado, um sossegado espetáculo litúrgico a que se assiste passivamente e com o qual se cumpre uma prescrição eclesiástica. Por tempo demasiado viemos passando pela Missa como se passa por um coquetel social, sem nos marcar a vida com o Sangue da Aliança, sem abrir mão da nossa segurança egoísta em favor do Reino da Liberdade. Fechados num clima contraditoriamente “católico”, que nega o Ecumenismo e a autêntica Catolicidade, que desconhece, de fato, o valor universal da Encarnação do Filho de Deus e sua Oblação em prol de todos os irmãos dispersos. Neste clima, os Indios, evidentemente, não têm nada a fazer numa Missa…
A revista missionária “Sem Fronteiras”, cenário de uma pequena polêmica em torno a Missa da Terra-sem-males, pediu-me que mediasse no assunto. Isso fiz com uma simples carta, da qual são os parágrafos seguintes:
“Acredito na missão que foi a vocacão de Jesus, que e essência da Igreja, no dizer do Vaticano II. E me sinto herdeiro dos missionários de ontem -de seus pecados e de seus méritos. O “nós” da “Memória Penitencial” da Missa e um nós eclesial, coletivo. Que cristão pode negar, que cristão não deve assumir reparadoramente os erros cometidos ontem e hoje pela Igreja de Jesus, às vezes com a melhor boa vontade?
Os homens erram e os cristãos continuam humanos. Paulo repreendeu a Pedro por tentar acobertar a transmissão da cultura judaica na transmissão do Evangelho livre de Jesus Cristo. Foi em nome da Civilização Ocidental, chamada de “cristã”, que os Conquistadores, acompanhados dos Evangelizadores, destruiram de fato, nao apenas Culturas mas Povos inteiros. Segundo estatísticas sérias, dentro das várias opiniões, o Brasil, na época da conquista, teria cinco milhões de Indios… Hoje tem cento e oitenta mil. Devo julgar o passado pelos olhos que hoje tenho. Antropologicamente, teologicamente. O que não significa culpar as intenções dos homens do passado. Se não pudessemos julgar assim, nem adiantaria estudar a História nem caminhariamos. O Novo Testamento é um juizo do Testamento Velho, feito pelo próprio Filho de Deus.
Perder a terra, perder a língua, perder os costumes, é perder o chão da vida, deixar de ser. Deixar de ser aquele Povo e, geralmente, deixar de ser mesmo. Quem não respeita uma Cultura, quem age etnocentricamente, “escraviza”, sim. O Evangelho é Fé, não cultura. O Evangelho deve se encarnar em todas as Culturas de todos os Tempos. Todas elas humanas, todas susceptíveis de um aperfeiçoamento superior: a Graca do Verbo, encarnado nelas.”
Acredito que a Missa da Terra-sem-males seja ortodoxa. Os quase quarenta bispos que participaram de sua primeira celebração, na catedral da Sé, de São Paulo, no dia 22 de abril de 1979, não reclamaram, muito pelo contrário. A Missa respeita o esquema litúrgico. Não é um oratório apenas, menos ainda um “show”. É um texto musical e recitado, que ambienta e traduz indigenisticamente a Celebração Eucarística real.
Apaixonadamente, isso sim. Por ser a gente o que é e porque, no dizer do teólogo evangélico francês Georges Casalis, um escrito teológico -ou litúrgico ou pastoral- sem paixão, ja não mais refletiria a prática, a morte e a vida de Jesus de Nazaré.
A Missa tem dois momentos maiores, como textos indigenistas: a “Memória Penitencial” e o “Compromisso Final”. A Memória, num diálogo entre América Amerindia e a coletiva conscência de nossa Civilização -colonizadora, missionária. O Compromisso, alternando trágicas referências históricas, algumas bem recentes, com o grito coletivo e compungido da Comunidade celebrante: “Memória, Remorso, Compromisso!”
Através da Missa toda, a Morte do Cristo e sua Ressurreição, sua Páscoa pessoal já completa, contrasta-se com a Páscoa Amerindia, carregada de mortes, mas “ainda sem Ressurreição”. Toda a Missa, entretanto, vem traspassada de uma incontida Esperança, contrariamente ao que alguém quis entender. Traspassada também de um inevitável compromisso político, que torne acreditável e eficaz, agora e aquí, essa Esperança, escatológica em última instância.
A Missa invoca seus Santos: do lendário Montezuma até o missionário João Bosco, fuzilado, a meus pés, pela Polícia Militar, na delegacia de Ribeirão Bonito. Um canto emocionado à Mãe Padroeira da América define aquele espírito continental de que antes falei, a vontade de convocar, de congregar todos os Povos do Continente, numa só marcha de Libertação:
Morena de Guadalupe,
Maria do Tepeyac,
congrega todos os Indios
na estrela do teu olhar,
convoca os Povos da América
que querem ressuscitar.
No mais, o que importa é celebrar comprometidamente a Missa, toda Missa, comprometendo-se com a Causa dos Povos Indígenas, com a Causa-raíz da América. E viver e se “des-viver” por encontrar a Terra-sem-males e construí-la imediatamente, dia após dia, e espera-la ainda sempre, contra toda esperança, e anunciá-la fidedignamente com o limpo testemunho da própria existência.
Guarani de Deus todos nós, um dia a alcançaremos.
“Uirás ” sempre a procura
da Terra que virá,
Maíra nas origens,
no fim Marana-tha!”
Pedro Casaldáliga
São Félix do Araguaia, MT
A Missa da Resistência Indígena
A Missa da Terra-sem-males começou a brotar sobre a pedra das ruínas de São Miguel, no Rio Grande do Sul. Terra de fronteira entre a América espanhola e portuguesa, estas duas Américas que são uma só. América dividida pelo fogo dos conquistadores.
O templo semidestruído de São Miguel é um monumento testemunho do massacre do Povo Guarani, testemunho da resistência e da grandeza dos Povos Indígenas de toda a América. As pedras escurecidas pelo fogo e pelos séculos narram com seu terrível silêncio a passagem dos bandeirantes, a devastadora passagem dos exércitos de Portugal e Espanha.
A própria História da Resistência dos Povos Indígenas aos conquistadores gestou no sangue esta Missa da Terra-sem-males. A marcha dos Povos Indígenas do Continente, buscando seu próprio rosto, sua identidade, arrancou dos massacres sepultados pela história oficial toda a força de sua esperança num Continente libertado.
Quem busca sua identidade volta-se necessariamente para o passado. Para extrair dele o metal das armas que empunhará na construção do futuro. Neste poema vulcânico, a América mergulha suas raízes na terra-mãe-ameríndia e retira dela a seiva elementar que nutre o sonho e a marcha de seus filhos.
A Missa da Terra-sem-males é uma missa de memória, remorso, denúncia e compromisso. Ela nos atira no rosto esta realidade fatal: de todos os continentes escravizados -Asia, Africa e América- a América e o único que não retornará a seus filhos. Não se trata de sonhar o impossível sonho de uma América puramente índia. Trata-se de constatar a inenarrável violência com que os conquistadores saquearam este Continente.
A Asia se levanta e seus filhos a terão um dia. Os povos negros da Africa reconquistam palmo a palmo o Continente devastado pelo colonialismo. A América, contudo, jamais retornará as mãos dos povos indígenas, sepultados pelos massacres de Cortez, Pizzarro, Valdívia, Raposo Tavares. Devorados pelas minas de Potosí, escravizados pelas bandeiras, exterminados em todo o Continente pela peste que o branco trouxe no sangue. Sem retórica, cabe dizer que os conquistadores Ingleses, Espanhois e Portugueses se lançaram sobre o Continente americano como uma malta de saqueadores, reduzindo a escombros tres impérios riquíssimos e exterminando, num espaço de quatro séculos, cerca de noventa milhões de índios.
A Missa da Terra-sem-males brotou em terra Guarani, o Povo-aliança da América India. No centro do Continente, os Guarani foram duplamente submetidos. O conquistador, português ou espanhol, converteu a terra guarani em campo de batalha até a destruição completa de tudo quanto representasse trabalho humano ou humana aspiração.
Contra toda a violência, contra todo o sangue derramado, o Povo Guarani foi capaz de sonhar a Terra-sem-males. Nao foi um “Ceu-sem-males”, foi uma Terra-sem-males, a utopia possível. A utopia construída pela luta de todos os oprimidos. A pátria libertada de todos os homens.
Poderia ter sido um poema, uma cantata, mas nasceu missa. Porque é impossível separar a historia dos Povos Indígenas da América da presença da Igreja entre eles. A mesma Igreja que abencoou a espada dos conquistadores e sacramentou o massacre e o extermínio de povos inteiros, nesta missa se cobre de cinza e faz sua própria e profunda penitência. A penitência por si só não conduz a nada, nem sequer alivia a responsabilidade histórica que a Igreja assumiu ao lado do branco colonizador. Contudo, a História marcha e a Igreja mantém um laço profundo com os oprimidos da América. Que esta penitência contribua para que este laço se converta em compromisso com a marcha do Povo a caminho de sua libertação.
A Missa da Terra-sem-males so se apossará de toda a sue dimensão quando alcançar sua vestimenta continental. É profundamente significativo que ela tenha sido escrita em português, idioma deste Brasil-quase-continente, oprimido e instrumento de opressão, gigante e escravizado, historicamente empregado de seus irmãos, vítimas do mesmo saque, combatentes da mesma resistência.
A Missa da Terra-sem-males é uma convocação a todos os oprimidos da América que marcharam durante séculos e marcha hoje em busca da Terra-sem-males libertada.
Pedro Tierra
Goiânia, 8 de outubro de 1979
Índios Guarani da periferia ainda preservam suas tradições
Em plena periferia de São Paulo, uma comunidade indígena Guarani sobrevive mantendo aspectos de sua cultura e resistindo, pacificamente, a pressões por reintegrações de posse. Eles residem no bairro do Jaraguá, na zona noroeste da capital paulista, desde a década de 1960. Atualmente, cerca de 300 índios vivem no local. “Desde o século 16, os Guarani habitavam esta região”, conta a geógrafa Camila Salles de Faria, que realizou um estudo sobre a resistência indígena naquele bairro.
Ela conta que a área está dividida em três glebas. Duas delas demarcadas, totalizando cerca de 1,7 hectares (17 mil metros quadrados) onde residem 80 pessoas. “Numa terceira gleba, que os índios pedem a anexação, cerca de 200 indígenas residem em cerca de 3,5 hectares (35 mil metros quadrados)”, calcula Camila.
A pesquisadora lembra que a anexação vem sendo reivindicada desde 1995, com o processo de construção do Rodoanel da cidade de São Paulo. “Por incrível que pareça, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da obra desconhecia a existência da comunidade indígena no local”, lembra. O estudo de mestrado de Camila, A integração precária e a resistência indígena na periferia da metrópole, foi apresentado no Departamento de Geografia Humana da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. “De fato, a periferia já não é tão homogênea. Temos de pensar a periferia com a presença indígena e suas relações, que colaboram para sua resistência”, destaca Camila.
As construções da aldeia em pouco lembram as tradições Guarani. Boa parte das casas são em compensados e restos de madeira. “Entre as demais construções há uma que se destaca, pois remete à tradição, que é o Centro de Estudos de Cultura Indígena (Ceci), localizado na área ainda não demarcada. O local abriga um centro de educação infantil bilingue [português e guarani] com cursos de alfabetização, embora haja na área demarcada o ensino fundamental”, conta a pesquisadora. No princípio, segundo Camila, boa parte das casas era de madeira, mas algumas delas foram destruídas com um incêndio. Desde então, com o auxílio de moradores do entorno, os índios começaram a construir algumas casas de alvenaria. “Por sua tradição, os índios não dominam as técnicas de construção em alvenaria. Muitos materiais foram doados por outros moradores, que também os ajudaram nas construções”, lembra a geógrafa.
Resistência
A principal forma de resistência dos Guarani está na religiosidade. “Eles rezam diariamente”, conta Camila. O artesanato também resiste ao tempo. Em geral, os índios não trabalham fora da aldeia. Alguns vivem de empregos gerados no próprio Ceci, como monitores, merendeiras ou vigilantes. Mas boa parte deles comercializa seus artesanatos nas proximidades, como no Parque Estadual do Jaraguá, que está nos limites da aldeia, ou em algumas bancas na entrada do bairro. Outros sobrevivem por meio de programas governamentais, como o bolsa família e o renda mínima, ou aposentadorias. “Há poucos espaços e somente alguns possuem pequenas hortas em seus quintais”, lembra a pesquisadora.
Camila iniciou sua pesquisa em 2005, quando por autorização da Funai passou a visitar o bairro, em média, três vezes por semana para acompanhar o cotidiano e entrevistar moradores. Entre os outros fatores de resistência, a pesquisadora ressalta a liderança local. Segundo ela, o líder da comunidade indígena tem força, tendo participado de vários outros processos demarcação de Terras Indígenas Guarani em outras regiões do estado. “Os Guarani têm como uma das principais características em suas reivindicações o não enfrentamento. Quando se deparam com situações que possam resultar em violência, eles simplesmente desistem e buscam novas áreas”, descreve Camila. As reinvidicações dos Guarani com a construção do trecho oeste do Rodoanel possibilitaram que fosse doada a eles uma outra área na cidade de Mairiporã, de cerca de 100 hectares (aproximadamente 1 milhão de metros quadrados), adquirida pela empresa responsável pela obra e pela Funai.
06/10/2009 – (Envolverde/Agência USP)
Autor: Antonio Carlos Quinto
Relatório Figueiredo: Expõe a violência extrema contra povos indígenas
Publicado pela primeira vez pelo site Viomundo, a íntegra da síntese das mais de 7 mil páginas do Relatório Figueiredo, que também disponibiliza para baixar ou compartilhar, socializando o conhecimento e a informação como se esperaria de todas as pessoas que lutam pelos direitos, pela justiça e pela democracia substantiva. Segue abaixo uma síntese com 68 páginas elaborada pelo próprio procurador Jader de Figueiredo.