[toggle title=”Confissão” load=”hide”] Que esta minha paz e este meu amado silêncio
Não iludam a ninguém
Não é a paz de uma cidade bombardeada e deserta
Nem tampouco a paz compulsória dos cemitérios
Acho-me relativamente feliz
Porque nada de exterior me acontece…
Mas, em mim, na minha alma,
Pressinto que vou ter um terremoto!
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[toggle title=”Mentiras” load=”hide”] Lili vive num mundo de Faz-de conta… Faz de conta que isto é um avião. ZZZZuuu… Depois aterrissou em pique e virou trem. Tuc tuc tuc tuc… Entrou pelo túnel, chispando. Mas debaixo da mesa havia bandidos. Pum! Pum! Pum! O trem descarrilou. E o mocinho? Meu Deus! Onde é que está o mocinho?! No auge da confusão, levaram Lili para a cama, à força. E o trem ficou tristemente derribado no chão, fazendo de conta que era mesmo uma lata de sardinha. [/toggle]
[toggle title=”Pequenos tormentos da vida” load=”hide”] De cada lado da sala de aula, pelas janelas altas, o azul convida os meninos, as nuvens desenrolam-se, lentas, como quem vai inventando preguiçosamente uma história sem fim … Sem fim é a aula: e nada acontece, nada … Bocejos e moscas. Se ao menos, pensa Lili, se ao menos um avião entrasse por uma janela e saísse pela outra! [/toggle]
[toggle title=”Viver” load=”hide”]Vovô ganhou mais um dia. Sentado na copa, de pijama e chinelas, enrola o primeiro cigarro e espera o gostoso café com leite.
Lili, matinal como um passarinho, também espera o café com leite.
Tal e qual avô.
Pois só as crianças e os velhos conhecem a volúpia de viver dia a dia, hora a hora, e suas esperas e desejos nunca se estendem além de cinco minutos… [/toggle]
[toggle title=”Cidadezinha” load=”hide”] Cidadezinha cheia de graça…
Tão pequenina que até causa dó!
Com seus burricos a pastar na praça…
Sua igrejinha de uma torre só…
Nuvens que venham, nuvens e asas,
Não param nunca nem um segundo…
E fica a torre, sobre as velhas casas,
Fica cismando como é vasto o mundo!
Eu que de longe venho perdido,
Sem pouso fixo (a triste sina!)
Ah, quem me dera ter lá nascido!
Lá toda a vida poder morar!
Cidadezinha … Tão pequenina
Que toda cabe num só olhar… [/toggle]
[toggle title=”Conto de todas as cores” load=”hide”] Eu já escrevi um conto azul, vários até.
Mas este agora é um conto de todas as cores.
Sim, porque era uma vez uma menina verde, um menino azul , um negrinho dourado e um cachorro com todos os tons e entretons do arco-íris. Até que, devidamente nomeada pelo Senhor Prefeito veio ao seu encontro uma Comissão de Doutores –– todos eles de preto, todos eles de barbas, todos eles de óculos.
E, por mais que cheirassem e esfregassem os nossos quatro amigos, viram que não adiantava nada e puseram-se gravemente a discutir se aquilo poderia ser mesmo de nascença ou…
–– Mas nós não nascemos – interrompeu o cachorro nós fomos inventados! [/toggle]
[toggle title=”As Pulgas” load=”hide”] As pulgas saltam tanto porque também têm pulgas. [/toggle]
[toggle title=”Objetos perdidos” load=”hide”]Os guarda-chuvas perdidos…
aonde vão parar os guarda-chuvas perdidos?
E os botões que desprenderam?
E as pastas de papéis, os estojos de pince-nez,
as maletas esquecidas nas gares, as dentaduras postiças,
os pacotes de compras, os lenços com pequenas economias,
aonde vão parar todos esses objetos heteróclitos e tristes?
Não sabes?
Vão parar nos anéis de Saturno,
são eles que formam, eternamente girando,
os estranhos anéis desse planeta misterioso e amigo. [/toggle]
[toggle title=”O cachorro” load=”hide”] Do quarto próximo, chega a voz irritada da arrumadeira:
– Meu Deus! a gente mal estende a cama e já vem esse cachorro deitar em cima!
Salta daí pra fora!
E Lili, muito formalizada:
– Finoca! o cachorro tem nome! [/toggle]
[toggle title=”O vento” load=”hide”] O único da casa que enxerga o vento é o cachorro. Detém-se à porta da cozinha, rosnando para o pátio ventado, cheio de latas inquietas e papéis decididamente malucos.
E nos seus olhos fixos e rancorosos vê-se o desvario do vento, a incurabilidade do vento, os seus cabelos em corrupio, os seus braços que parecem mil, os seus trapos flutuantes de espantalho, toda aquela agitação sem causa que é ainda menos instável, no entretanto, que a terrível desordem da sua cabeça: pois o vento nunca pode assentar as idéias … [/toggle]
[toggle title=”A última” load=”hide”] A última de Lili, que me apresso a anotar, para o meu Tratado de Liligrafia:
–– Não gosto de laranjas de umbigo porque são muito pretensiosas. [/toggle]