Juquery Processo de Criação

Juquery processo criacao


Histórias que o Juquery conta…

No final do século XIX, um homem considerado muito inteligente entre seus contemporâneos, escolheu uma imensa área verde e afastada do centro de São Paulo para construir o que viria a ser mais tarde um dos maiores complexos psiquiátricos da América Latina, o Juquery. O Hospital Psiquiátrico do Juqueri ganhou tanta relevância em meados do Século XX, que em seu entorno, toda uma região se desenvolveu.
E o que seria daqui se não fosse o Juquery?
Há algum tempo já, essa questão mexe com a nossa imaginação… E foi justamente essa pergunta que nos motivou a idealizar o projeto “Histórias que o Juquery conta”.
Desde o início do ano passado, nós, do Teatro Girandolá, decidimos nos debruçar sobre a história da formação de Franco da Rocha e região. De lá pra cá, leituras, filmes, oficinas, visitas ao hospital, conversas com moradores antigos, conversas com pacientes e funcionários, se tornaram parte de nosso cotidiano e tem nos possibilitado o contato com um sem fim de histórias, imagens e sentimentos que nem fazíamos ideia de que podiam existir. Quando idealizamos o projeto, sabíamos que seria uma empreitada desafiadora, mas não fazíamos ideia do quão profundo seria esse mergulho.
O projeto “Histórias que o Juquery conta” tem por finalidade criar um espetáculo teatral que reconte, de maneira poética, as histórias do Hospital Psiquiátrico do Juqueri e da cidade de Franco da Rocha. Pra isso, temos desenvolvido uma série de ações, que têm nos proporcionado encontros pra lá de significativos. O mais recente deles, aconteceu no último dia 28 de fevereiro, entre os atores criadores do Teatro Girandolá e alguns moradores da cidade de Franco da Rocha que transitavam pelo calçadão, próximo à estação, no centro da cidade. Os atores, em sala de ensaio, criaram e prepararam uma história e, inspirados pela técnica do Teatro Encontro, desenvolvida pelo Teatro da Escuta (método espanhol desenvolvido pelo pedagogo teatral Moisés Matos), foram para o calçadão, abordaram pessoas que estavam sozinhas e lhes contaram a história. A história, depois de contada, virava mote para um bate-papo sobre a história da cidade, que fatalmente se misturava com a história da própria pessoa com a qual se conversava.
Durante as 2 horas de ação, cerca de 30 pessoas foram atingidas e o Teatro Girandolá deu mais alguns passos na exploração desse universo, tão próximo de cada um de nós, mas que traz em suas histórias tantos mistérios e dores.

Confira nas imagens, logo abaixo, um pouco desses encontros…

Girandolá no Hotel da Loucura
O processo de construção do nosso novo espetáculo tem se dado de maneira muito intensa. Além da importante pesquisa teórica em livros como “Cidadelas da Ordem”, “Psiquiatria, loucura e arte: Fragmentos da História Brasileira”, ” Holocausto Brasileiro”, entre demais obras, muitas teses, matérias, e contos sobre o tema (alguns disponíveis aqui no nosso site), temos nos encontrado com pessoas e lugares que trabalham ou trabalharam com a loucura, médicos psiquiatras, funcionários do próprio Juquery, mas abrangendo mais do que a história deste Hospital, pesquisando a história de outros hospitais psiquiátricos do Brasil com muitas semelhanças, para entendermos o contexto e o pensamento da época em que ele foi criado, e também outras possibilidades de tratamento que se diferenciam e se chocam com o já desenvolvido no Juquery.

Neste mês, tiramos cinco dias para nos hospedarmos no Hotel e Spa da Loucura, no Instituto Nise da Silveira, no Engenho de Dentro, Rio de Janeiro, um local que tenta se colocar na contra-mão do que é esperado no tratamento psiquiátrico.
Seus corredores com paredes coloridas e mensagens por toda parte, deixadas por moradores, funcionários, clientes e artistas que passaram por lá, nos levam até o encontro dos hóspedes, que nos recebem com muita festa, e a alegria do primeiro momento é mantida até o último instante da despedida.
O projeto idealizado pelo médico imunologista e psiquiatra cultural, Vitor Pordeus, é baseado fortemente no afeto, e a arte é mais uma das maneiras que eles utilizam para se comunicarem com os clientes psiquiátricos e deles se comunicarem com o mundo.

A proposta de receberem artistas, estudantes, médicos e demais interessados para integrarem um mesmo espaço, convivendo desde o café da manhã, em atividades culturais, e demais atividades diárias, faz com que todos ocupem um lugar comum, cada qual com a sua particularidade, mas deixando de lado as limitações impostas pela sociedade em geral, colocando-os também numa posição de pessoas autônomas.

Durante os cinco dias em que estivemos por lá pudemos experienciar oficinas de dança e construção de mandalas, cortejos e cirandas pelas ruas da cidade, assistir um espetáculo de teatro de rua, visitar o Museu do Inconsciente, e também o Museu Bispo do Rosário, além das muitas conversas riquíssimas que tivemos, em especial com o Edmar, Denise, Miriã, e é claro com o próprio Vitor, que fala apaixonadamente do trabalho desenvolvido no hotel.

Se fossemos descrever em detalhes o quanto foi significativo para nossa pesquisa e para cada um de nós poder ter passado por este espaço, poderíamos escrever páginas e páginas, mencionando momentos marcantes, olhares profundos, as músicas, e todo o envolvimento de cada um conosco, pois ficamos realmente tocados com a disposição e entrega das pessoas daquele lugar, mas deixamos em imagens o registro de nossa passagem pelo local que nos proporcionou pensarmos o quanto nos doamos uns aos outros, o quanto nos colocamos diante do mundo, e quanto estamos disponíveis e livres para criarmos, compartilharmos e sermos felizes.

Com muita admiração e carinho deixamos nosso muito obrigado por abrirem as portas para nós, e os nossos parabéns, pois vocês de fato fazem diferença no mundo não só daquelas pessoas, mas são exemplos a serem seguidos.

Veja por aqui mais fotos do cortejo e ciranda disponibilizadas por Vitor Pordeus.

Para conhecer um pouco mais do trabalho desenvolvido por Vitor Podeus, do Hotel e da UPAC (Universidade Popular de Artes e Ciência) acesse o blog.

Veja também os vídeos:

Hotel da Loucura – Gênese

Primeiro passos

Juquery primeiros passos

Pesquisar a história do Complexo Hospitalar do Juqueri é uma forma de mergulhar na história da formação de nossa região e esse mergulho, é um desejo que acompanha de longa data os artistas do Teatro Girandolá. Ensaiamos uma aproximação com essa história e com o Hospital já há algum tempo, mas foi só no início de 2012 que demos um passo, de fato, para que essa aproximação acontecesse.

Procuramos a direção do Hospital e contamos desse nosso desejo. Felizmente, fomos super bem recebidos e nos foi permitido iniciarmos lá, dentro dos prédios carregados de tantas histórias, uma pesquisa para a criação de um novo espetáculo teatral. E no final de 2012 demos início ao projeto “Histórias que o Juquery conta”. Esse projeto prevê uma série de ações, tanto dentro como fora do Hospital. São ações que nos colocarão em contato com a história do Juquery e da formação da cidade de Franco da Rocha, que nos colocarão em contato direto com os pacientes e funcionários do Hospital, e também com a população de Franco da Rocha.

E as primeiras ações já começaram… Recentemente começamos a fazer visitas ao Hospital, para conversar com pacientes e funcionários, e também, para desenvolver atividades artísticas de convivência, o que tem nos possibilitado observar e participar do dia a dia deles, ouvir suas histórias, e conhecer um pouquinho mais do universo do hospital.

Essas visitas tem se tornado cada vez mais ricas e estimulantes, por nos mostrarem muito além do que até hoje só tínhamos visto nos livros, ou melhor, por nos mostrar o que não iriamos nunca encontrar em pesquisas teóricas – os olhares, os sorrisos, os abraços afetuosos, o desejo de expressão, de falar do que pensam e sentem.

A primeira atividade artística que levamos até o Juquery foi a apresentação do nosso espetáculo infantil “Conto de todas as cores”. Nessa apresentação percebemos o quanto os pacientes gostavam dos momentos de interação, dos momentos musicais e isso nos despertou o desejo de realizar uma atividade onde eles também pudessem se expressar, onde eles pudessem protagonizar e foi aí que tivemos a ideia de fazer um Sarau por lá.

E no dia 18 de abril, levamos o Sarau CONPOEMA para dentro da unidade onde são desenvolvidas oficinas culturais com os pacientes e o que pudemos ver foram senhores e senhoras expressivos, cheios de vontade de se comunicar, que tem dentro de si a brincadeira, a música, a dança, e que encontraram no Sarau um espaço para botar tudo isso para fora. A arte tem essa magia, ela nos liberta! Vivemos nesse dia momentos descontraídos, de alegria, mesmo para aqueles que ficaram apenas assistindo. Quem quis pode desenhar, cantar, dançar, recitar poesia ou apenas permanecer ali, para sentir-se parte de um todo. Saímos de lá muito felizes com o dia, encantados com a troca que aconteceu naquele local, e com a certeza de que teremos muitos outros encontros intensos e cheios de muito aprendizado.

2 Comentários

  • Simone Mantovani disse:

    Olá, todos bem? Recentemente descobri que uma tia bisavó viveu no Juquery e fiquei muito curiosa por saber o porque e as condições que a levaram até lá. Perguntando para o pessoal mais velho de casa, fiquei estarrecida com as alegações e queria muito ter maiores i formações a respeito. Depois do fechamento do complexo fiquei sem saber por quem procurar. Por acaso, vocês teriam algum contato que pudessem compartilhar comigo?
    Parabéns pelo trabalho! Desejo Sucesso a todos. Gratidão

    • Roger Neves disse:

      Olá, Simone!
      Por aqui estamos todos bem e esperamos que com você também esteja. Simone, infelizmente os contatos que tínhamos lá eram todos da área de psiquiatria do hospital que, como você sabe, foi desativada; de modo que não temos como indicar alguém lá. Sugerimos que você entre em contato com a administração do hospital (que fica lá dentro mesmo) ou com o pessoal do Museu Osório César (https://goo.gl/maps/kB9VbWQViciwYhnw7), que também fica nas dependências do complexo hospitalar.
      Esperamos que tenha ajudado.
      Boa sorte e um forte abraço!

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