As Mitologias de uma Ponte Seca

As Mitologias de uma Ponte Seca

15 de setembro de 2016 0 Por Meire Ramos

_mg_2348O Teatro Girandolá atua há 09 anos na cidade de Francisco Morato, criando espetáculos e realizando ações para dialogar com sua comunidade. Com esta busca pela aproximação da população, fomos levados a atuar imprescindivelmente na rua, pelas praças e espaços de aglomerações de gente, para que nosso fazer artístico não encontrasse barreiras. A princípio nossos espetáculos eram criados em salas e apresentados em espaços fechados, mas também fomos levando-os na medida do possível pra espaços abertos. Criar um espetáculo pra rua já estava em nossos planos há um bom tempo, um espetáculo que tivesse uma linguagem popular e que dialogasse com a vivência dos moradores de nossa cidade e região, que eles se reconhecessem e fizessem parte dessa história. Tentar através da arte colaborar com o reconhecimento, sentimento de pertencimento e valorização da identidade local, também permeia nosso trabalho, e já alicerçou a pesquisa da nossa última obra “Juquery: memórias de quase vidas”, e nosso desejo de intervir na realidade cotidiana só cresceu com o passar dos tempos. Desde o início do ano, estamos realizando um treinamento corporal, com o ator e diretor Jorge Peloso, do Impulso Coletivo, que tem nos provocado a imprimir nossos corpos na cidade, recriá-los a partir do contato com as cenas e energias vivenciadas, e construir novas poéticas. O treinamento do ator proposto tem base técnica apoiada em diversas fontes vindas do teatro físico, sendo a principal delas vinda do treinamento técnico desenvolvido pelo LUME Teatro – Campinas/SP, e nós também nos utilizamos das danças e brincadeiras populares brasileiras, como ciranda, côco, cacuriá e jongo para alimentar este treinamento.
Este encontro com o Jorge e nossa ida pras ruas de Morato em busca de coletar material, nos fez querer partir pra uma pesquisa que resultasse concretamente num espetáculo teatral, que colocasse em cena histórias cotidianas e do imaginário popular da nossa Francisco Morato, foi então que decidimos por nos inscrever no edital do ProAC pra produção de espetáculos teatrais, com o projeto “Mitologias de uma ponte seca”, que propunha a coleta de histórias de transeuntes e comerciantes da Ponte Seca, e intervenções neste túnel e arredores. Este projeto foi contemplado pelo edital 01/2016 – PRODUÇÃO DE ESPETÁCULO INÉDITO E TEMPORADA DE TEATRO, e nós ficamos muito felizes por poder realizá-lo como idealizamos! Trabalhar com cultura na periferia não é fácil, é resistência diária, não encontramos muitas oportunidades para gerar fundos para garantir a continuidade das ações, mas nos desdobramos para manter as atividades e buscar meios de concretizar nossos desejos e necessidades. Esta contemplação no ProAC foi muito comemorada por nós e nos mantém na luta!
A ponte seca é uma passagem subterrânea para pedestres que liga o Bairro Belém Capela ao centro da cidade de Francisco Morato, e escolhemos retratar este espaço insalubre por ser para nós um símbolo do descaso e violência que a que nossa população é submetida diariamente.
Já começamos a ir pro calçadão próximo a Ponte Seca, estamos fazendo nossos treinamentos a céu aberto duas vezes por semana, pela manhã, e já começamos também a nos aproximar dos trabalhadores do local, além de poder ver mais de perto as peculiaridades de lá. Na última sexta-feira, dia 09, realizamos a nossa primeira intervenção artística dentro da Ponte Seca, vinhamos nos questionando porque o espaço, mesmo sendo utilizado diariamente, continua sendo tão escuro, deixando-o ainda mais perigoso, e resolvemos por fazer um ato simbólico, mas que pudesse interferir diretamente no dia-a-dia das pessoas que por ali passassem. Visitamos o espaço a noite, e o iluminamos com velas. Ao adentrarem eram recebidos com uma singela música cantada em coro: “Se essa ponte, se essa ponte fosse minha, eu mandava, eu mandava iluminar, com luzinhas, com luzinhas cintilantes, para o meu, para o meu irmão passar”.

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Com luminárias e flores nas mãos, nos oferecíamos para fazer companhia para atravessar, e assim pudemos conhecer muitos dos moradores da cidade. A maioria se surpreendeu com nossa presença, mas ao notarem a letra da música e o convite para atravessarmos juntos, ficavam muito contentes por naquela noite poder passar por ali menos preocupados, em especial as mulheres. Notamos logo de início a celeridade nos passos, ninguém ali queria ser notado, ou passar distraído, mas aos poucos conseguimos a confiança para conhecer um pouco mais de suas vidas, de onde vinham, pra onde iam, se passavam sempre por ali, e o que achavam do local. Ao final do trajeto eles saíam muito agradecidos, dizendo ser uma ação muito importante e que gostariam que ações como essa fossem realizadas outras vezes. Ainda realizaremos outras cinco intervenções pelo projeto e outras quanto forem necessárias no decorrer do processo, e sabemos que este espaço precisaria ser muito melhor estruturado para receber gente, e vamos utilizar sempre da arte para sensibilizar e propor que questionemos sempre o que nos está posto.
Pra nós foi muito importante realizar este pequeno gesto, que para nós foi como poder fazer um carinho em quem tanto sempre recebe pancada como troco.
Acompanhe o desenrolar desse processo que se dará durante os próximos 08 meses, aqui pelo site e pelo facebook.

Também gostaríamos de parabenizar a todos os grupos contemplados pelo edital, desejamos que tenham um bom trabalho pela frente! Nós existimos e resistimos!